João um eterno retirante

Helio Valim

 

O sol queimava a fronte de João,

que embevecido pelo tristonho lamento,

a ladainha sofrida da típica rabeca,

dormia o sono dos séculos

em seu berço de pano,

a rede dos tempos...

 

Enquanto dormia,

timidamente sorria,

ocultando atrás da boca sem dentes,

o seu pobre sorriso ausente;

típico de um eterno retirante.

Um João de “barriga vazia”,

um João decente,

mais um João que sofria...

 

Sonhando seu sonho de vida,

rezava ao “Padim Ciço”

tentando saldar sua dívida,

cobrando dos céus alguma dádiva,

sem conseguir aliviar as suas dúvidas,

dúvidas de um João sem dentes,

um “João-ninguém”,

um João descrente...

 

Tristemente saudando a pobreza,

seguindo sua via-crúcis,

vendo seu Cristo crucificado em cada estação,

cada dia, cada quilometro sofrido

na vida de um pobre João,

carga de um “pirata”, o novo pau de arara...

  • Autor: Helio Valim (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 2 de dezembro de 2020 20:17
  • Comentário do autor sobre o poema: Em 1944, o artista plástico, Candido Portinari apresenta a obra: “Os Retirantes”. Pintura que ressalta o sofrimento e a falta de esperança desse povo lutador. A imagem, que ilustra o texto, apresenta um detalhe dessa obra.
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 13
Comentários +

Comentários4

  • Maria dorta

    Conheço o quadro. Tocante. Tocante é teu poema, uma denúncia social, um atrazo civico- cultural que nos entristece e causa vergonha. Até onde esses governantes continuarão cegos e surdos, só eles mesmos engordando. ?Aplausos a você!

    • Helio Valim

      Obrigado Maria Dorta. Infelizmente, no século XXI, esse tema ainda causa surpresa em alguns governantes, que desconhecem o Brasil verdadeiro. Um abraço.

    • @(ND)

      Poeta Hélio, para quem conhece , nasceu , viveu no nordeste, conhece esse teu versejar, como conheço o "João" um retirante eterno e são tantos ... Triste e histórico ... E muitas vezes reais... Para mim nada Surreal, apenas enxergo dores e abandono...

      • Helio Valim

        Obrigado Neiva. Não sou nordestino nem vivi no Nordeste. Não tenho esse "lugar de fala", mas como brasileiro, tenho consciência das desigualdades. Diferentemente de alguns governantes fingem desconhecer. Um abraço.

      • Ernane Bernardo

        Poema contundente, retratou a história do povo do nordestino na época, muito triste com maestria de um belo poema, parabéns, poeta Helio Valim, gostei e gosto dessa coisa de trazer a público a história esquecida da cultura. Bom dia forte abraço.

        • Helio Valim

          Obrigado Ernane. Esse poema foi escrito na década de 80. Algumas coisas mudaram, mas a desigualdade continua expulsando o nordestino da sua terra. Não mais em caminhões com carroceria tipo "pau de arara", mas, agora, em ônibus piratas. Um abraço.

          • Ernane Bernardo

            Meu amigo poeta concordo plenamente com você, a diferença de hoje para aquele tem está na camuflagem, mas amei o poema com esse tema. Forte abraço.

          • Claudia Casagrande

            Triste realidade muito bem retratada no seu lindo poema.
            grande abraço

            • Helio Valim

              Cláudia, obrigado pelo gentil comentário . A poesia pode e deve ser usada como instrumento de crítica social. Um abraço.



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