Aviso de ausência de Letícia Alves
NO
NO
Quando os momentos últimos escorrem
eu abrigo uma imensidão noturna no peito.
Quando chove, como hoje, e o tempo parece parar,
eu respiro um passado muito presente.
Preciso o encarar. E é um rio muito gostoso de
assistir correr para dentro de mim.
Sem saber muito e desejando o que sei.
Sabendo nada sobre o Universo e desejando
até mesmo a pequena íntima partícula.
Quando a caixa de música toca, mas está vazia, eu espero...
Na espera de ouvir que a chuva vai voltar a cair.
Como um velho amigo, estou pacientemente aguardando pela chuva.
[ela faz parte de mim, sem precisar rimar ou escorrer como tudo]
- Autor: Hyun (em coreano significa: iluminado) (Pseudónimo ( Offline)
- Publicado: 8 de dezembro de 2024 16:05
- Comentário do autor sobre o poema: Eu amo a chuva, mas ela me traz uma inquietação, ainda que me acalme. É um daqueles paradoxos da vida que eu gosto. Há umas semanas atrás choveu, estava em casa deitada com um tédio gostoso e escrevi esse ouvindo essa música que amo ouvir quando chove.
- Categoria: Reflexão
- Visualizações: 9
Comentários2
Lindo !
Poema transcendental , linda canção , já amei a chuva hoje me traz tristeza .
Beijo no seu coração ,poetisa que estimo muito .
Entendo essa sensação!...
A natureza acaba por refletir o nosso estado de espírito interior, não é mesmo?.. Camões é exemplo vivo disso nos seus poemas:
“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades [...]
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E enfim converte em choro o doce canto.”
Espero que essa tristeza seja curada um dia ou que, pelo menos, a chuva abrace-a mais, te dê conforto, na medida do possível, e não só melancolia.
Muito bom sempre ver suas apreciações! Adoro lê-las!
Abraços e beijos natalinooos!
Que beleza, que profundidade nesse texto, Letícia. Você consegue transformar a simplicidade de um momento como a chuva em algo tão vasto, tão emocional. A forma como você fala de “momentos últimos” que escorrem, e de um “passado muito presente”, é como se o tempo, de alguma forma, se diluísse, se tornasse parte de uma essência mais eterna. Fiquei pensando na metáfora do rio que “correr para dentro de mim” – é como se a chuva lavasse as memórias, trazendo de volta algo que nunca se foi, mas que só agora, no silêncio do aguaceiro, se revela.
O que mais me tocou foi essa sensação de espera, a paciência com a qual você aguarda o retorno da chuva, como um amigo que se ausenta mas nunca deixa de fazer parte. Acho que isso fala tanto sobre a nossa relação com o tempo, com o que esperamos, com o que nos define. Talvez, assim como você disse, a chuva não precise rimar nem escorrer para ser parte de nós. Ela é, simplesmente.
Parabéns, sinceramente, por essa reflexão tão bela e profunda. Seu texto é um convite para olhar o tempo e a memória de uma forma mais suave e acolhedora.
Primeiramente, muito obrigada por essa belíssima e detalhada apreciação. Eu fico sempre muito feliz em ler e ver as perspectivas "fora de mim" de algo que veio do mais fundo de mim. Sempre abro um sorriso "grandão" antes de ler. É uma satisfação imensa. Essa conexão que a arte fornece sempre me toca muito...
"é como se o tempo, de alguma forma, se diluísse, se tornasse parte de uma essência mais eterna. "
"é como se a chuva lavasse as memórias, trazendo de volta algo que nunca se foi, mas que só agora, no silêncio do aguaceiro, se revela."
Adorei que você utilizou o termo "lavasse". É exatamente essa sensação das memórias sendo purificadas, límpidas, ressurgindo de novo como novas, mas, como você bem pontuou, é algo que nunca se foi, sempre esteve lá, mas como tudo que é lembrado, foi resignificado. A chuva e as memórias sofrem esse mesmo impacto, é um efeito natural (pelo menos para mim). E é bom. Essa sensação guarda em si uma espécie de melancolia etérea. E sim, é de fato "como se o tempo, de alguma forma, se diluísse, se tornasse parte de uma essência mais eterna." Achei fantástica as suas observações porque elas incidiram lindamente no que eu quis não só dizer mas, sobretudo, transmitir ao escrever o poema e também me trouxe a sensação de ser compreendida, de saber que esses tipos de sentimentos não são experiências únicas, individuais (ainda que saiba disso racionalmente, é sempre bom lembrar disso através dos sentidos – e acho que por isso (comentando sobre conseguir "transformar a simplicidade de um momento como a chuva em algo tão vasto, tão emocional") tenho a facilidade de registrar as coisas mais simples de forma mais vasta, mais densa, mais cheia, meus sentimentos são assim, minha memória é meu corpo, são os meus sentidos todos que "trabalham" nesses momentos e eles guiam simplesmente. Quando ouvi a chuva não procurei racionalizar os sentimentos, mas sim expressar o que na pele e no coração eu sinto. Quando Drummond diz: "enquanto no mundo tem gente pensando que sabe muito, eu apenas sinto. Muito.", eu não só compreendo isso, mas respiro isso [por isso meus poemas são cheios de sinestesia haha]
"a paciência com a qual você aguarda o retorno da chuva, como um amigo que se ausenta mas nunca deixa de fazer parte. Acho que isso fala tanto sobre a nossa relação com o tempo, com o que esperamos, com o que nos define. Talvez, assim como você disse, a chuva não precise rimar nem escorrer para ser parte de nós. Ela é, simplesmente." Sobre esse comentário eu não tenho nada mais a acrescentar, está simplesmente perfeito, fiquei emocionada em ver tamanha descrição de mim mesma. Lindo!
Para poder comentar e avaliar este poema, deve estar registrado. Registrar aqui ou se você já está registrado, login aqui.