LIMBO
É cedo para chorar.
O corpo está presente,
vivo e exigente.
A demência insidiosa
esculpe um arremedo,
mais grotesco a cada golpe
do cinzel macabro.
A cada dia tentamos
aceitar os novos terríveis estragos,
e não vislumbrar o amanhã escuro.
É cedo para chorar.
A vida exige atenção, esfôrço e paciência
com o querido estranho.
Velando um corpo morto
cremos que o nobre espírito voa livre
por mundos talvez melhores.
Dizemos que a alma, luminosa,
descansa em paz, no seio de Abraão
Queremos acreditar na litania das religiões
velando um corpo morto.
Zelando um corpo vivo, apagado e informe,
nos invadem bíblicas imagens
de demônios expulsáveis com exorcismos!
Não se esconjura, não se benze,
a fuga de neurônios e sinapses,
os estragos físicos e químicos
na massa cerebral.
Vez por outra, por momentos
parece estar entre nós, revelado
em um gesto gentil, em uma palavra
bem colocada no contexto.
Perplexos, imaginamos
em que orco, em que limbo,
vaga, ou se esconde, o espírito volátil
que às vêzes nos visita
com lampejos de sua luz antiga.
É cedo para chorar.
Nos olhos secos não cabe ainda
o lenitivo do pranto.
E já não cabe o brilho visionário
das virtudes teologais.
- Autor: Cecília Cosentino (Pseudónimo ( Offline)
- Publicado: 26 de junho de 2020 10:41
- Comentário do autor sobre o poema: Meus queridos amigos. Perdoem-me a dureza destes versos, sobre o drama da doença de Alzheimer, tão frequente em nossos dias.
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 32
Comentários7
Lindíssimo, Cecília. A sensibilidade de suas palavras transforma a dureza do tema, como mágica. Parabéns e um grande abraço.
Muito obrigada, Crica. As suas palavras gentís sempre me animam muito.
Cecília, há temas nos quais os versos soam como gemidos de dor, muitas vezes com rima... E essa expressão é necessária para transmitir a mensagem ou sentimento.
Sua poesia hoje foi brilhante, carregada de um peso que traduz a tristeza de um drama.
Abraço
HÉBRON, AGRADEÇO SUA ATENÇÃO EM ME LER E TER BOAS PALAVRAS PARA MIM.
Reflexiva e Dramático poema ! Mas, é a nossa realidade nua e crua, não importando onde vá ou ficar! Paz e Bem Poetisa ! Beijussssss
VANDINHO, obrigada, meu fiel amigo, que sempre me dá ânimo e atenção!
Poxa, poeta, como voce escreve bem. Teu vocabulário e o teu dominio da lingua pátria é visível e muito me agrada. A descrição em versos de um mal que é muito triste, está perfeita.
1 ab
Nem sei como agradecer, Nelson. As palavras de quem sabe escrever com graça e harmonia, que domina até os segredos da versificação, e me considera tanto, me alegram e estimulam muito.
Cecília, deliciei-me com seu poema; bebi todo; como o pároco, litugicamente, usei o guardanapo, limpei a bandeja, acaso alguma ínfima porção, pudesse ser perdida... belíssimo, essencial...
Destaco: "Perplexos, imaginamos
em que orco, em que limbo,
vaga, ou se esconde, o espírito volátil
que às vêzes nos visita
com lampejos de sua luz antiga.
Primor... forte abraço...
"Tu vens, Tu vens, mas há ruído nos sinais..."
P erplexa, vejo que deixei de agradecer o seu longo e animador comentário. OBRIGADA! ABRAÇO!
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