LIMBO
É cedo para chorar.
O corpo está presente,
vivo e exigente.
A demência insidiosa
esculpe um arremedo,
mais grotesco a cada golpe
do cinzel macabro.
A cada dia tentamos
aceitar os novos terríveis estragos,
e não vislumbrar o amanhã escuro.
É cedo para chorar.
A vida exige atenção, esfôrço e paciência
com o querido estranho.
Velando um corpo morto
cremos que o nobre espírito voa livre
por mundos talvez melhores.
Dizemos que a alma, luminosa,
descansa em paz, no seio de Abraão
Queremos acreditar na litania das religiões
velando um corpo morto.
Zelando um corpo vivo, apagado e informe,
nos invadem bíblicas imagens
de demônios expulsáveis com exorcismos!
Não se esconjura, não se benze,
a fuga de neurônios e sinapses,
os estragos físicos e químicos
na massa cerebral.
Vez por outra, por momentos
parece estar entre nós, revelado
em um gesto gentil, em uma palavra
bem colocada no contexto.
Perplexos, imaginamos
em que orco, em que limbo,
vaga, ou se esconde, o espírito volátil
que às vêzes nos visita
com lampejos de sua luz antiga.
É cedo para chorar.
Nos olhos secos não cabe ainda
o lenitivo do pranto.
E já não cabe o brilho visionário
das virtudes teologais.