Como todos, ignoro a data limite da minha existência. Sei que é o dia de receber, em forma de descanso, a última benção da vida.
Há tempos me afastei de credos e dogmas. Guardo-me toda para o mistério, impenetrável l ao pelo tosco conhecimento humano. Enquanto espero, me agrada prefigurar a última participação na história da família.
Diante as velha casa da fazenda avulta enorme figueira branca, onde, um dia, serão depositadas minhas cinzas. Será no fim da tarde, quando o sol estende longas sombras por baixo do arvoredo, as aves se aninham, corolas se fecham para a noite. Parte da natureza se recolhe comigo, enquanto, no céu pesado piscam tímidas estrelas.
O solo onde me encontro, sagrado como qualquer campo- santo, é o mesmo chão onde brincaram nossos filhos e, anos antes, o pai deles. Suas risadas estão escondidas por dentro das cascas das árvores, os passos se misturam ás raízes da grama verde.
Sou agora aquela mancha clara, na sombra da figueira, estou em casa. A chuva da madrugada reaparece e, em pingos grossos, me vai misturando à terra. Volto ao barro ancestral?
Alguém reluta em lavar a mãos que tocaram minhas cinzas.
Alguém depos uma flor sobre meu pó.
Alguém tangeu o sino. O bronze espalha no ar lavado ondas de som, longe longe. Ouso crer que me despeço.
Tudo está no seu lugar. Eu estou no meu lugar.
Graças a Deus, graças a Deus.
- Autor: Cecília Cosentino (Pseudónimo ( Offline)
- Publicado: 9 de setembro de 2022 13:13
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 35
Comentários6
Que lindo poeta Cecília!
Abraços do Shimuel!
Seu enterro e tua integração ao barro de origem( como não reconhecer?) que somos, foi descrito com pincel transcendental,sem sair do realismo que é a vida e a morte. Grande pintora do surreal da vida. Chapéu,Cecília!
Obrigada, Maria. Abraço
Querida Cecília, contundente o teu poema que me tocou fundo quando contemplas
e descreves aquela tarde singela em que entre os teus queridos ancestrais ocorrerá o inevitavel, no entano, sem reclame, estará tudo no seu lugar. Por acaso visitei O Meu Lado Poético e tive a oportunidade de ler-te, já que há muito andas sumida.
Um beijo.
OBRIGADA. aDOECI, FUI AO ESTALEIRO PARA CONSERTO, SENI´SAUDADES DE LER OS MEUS AMIGO, E DE SER LIDA . ABRAÇO.
Muito bonito, com um tema que costuma carregar tristeza, vc conseguiu leveza e encantamento.
Abraço, querida poetisa
Obrigada, Hebron Grande abraço
Minha querida professora e amiga, que lindo escrito.
Única certeza de nossas vidas, porém tenho a ousadia de ter outra certeza, a de que vai ler essa oração por muitos e muitos anos.
Saudades.
beijos
Obrigada, Cláudia! Faço o propósito de aceitar a vida sem chiar, mas, no fundo, , quero esticá-la ao máximo...
Obrigada, Shmuel
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