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Cecilia

Espera

 

Como todos, ignoro a data limite da minha existência.   Sei que é o dia de receber, em forma de descanso, a última benção da vida.

Há tempos me afastei de credos e dogmas. Guardo-me toda para o mistério, impenetrável l ao pelo tosco conhecimento humano.   Enquanto espero, me agrada prefigurar a última participação na história da família.

Diante as velha casa da fazenda avulta enorme figueira branca, onde, um dia, serão depositadas minhas cinzas.   Será no fim da tarde, quando o sol estende longas sombras por baixo do arvoredo, as aves se aninham, corolas se fecham para a noite.    Parte da natureza se recolhe comigo, enquanto, no céu pesado piscam tímidas estrelas.

O solo onde me encontro, sagrado como qualquer campo- santo, é o mesmo chão onde brincaram nossos filhos e, anos antes, o pai deles.   Suas risadas estão escondidas por dentro das cascas das árvores, os passos se misturam ás raízes da grama verde.

Sou agora aquela mancha clara, na sombra da figueira, estou em casa.   A chuva da madrugada reaparece e, em pingos grossos, me vai misturando à terra.   Volto ao barro ancestral?

Alguém reluta em lavar a mãos que tocaram minhas cinzas.

Alguém depos uma flor sobre meu pó. 

Alguém tangeu o sino.    O bronze espalha no ar lavado ondas de som, longe longe.    Ouso crer que me despeço.  

Tudo está no seu lugar.   Eu estou no meu lugar.

Graças a Deus, graças a Deus.