E. Q. M.
Gosto sempre de repetir para que os leitores, estes poucos heróis conhecedores do valor de qualquer leitura, que Adamastor era um cara simples, às vezes até simplório; tinha a mania de acreditar nas pessoas e, ainda acreditava no amor puro e verdadeiro. Mas era também uma pessoa centrada, voltada sempre para a razão, para a fé raciocinada e pouco crédito dava a fatos considerados extraordinários sem que um mínimo de prova estivesse presente.
Ao tempo deste fato verídico e transcendental fazia um calor abrasador, próprio da região onde Adamastor nascera, fora criado e ganhava seu pão diuturnamente. Aliás, diga-se de passagem, região que é conhecida na boca de seu povo como tendo apenas duas estações: Calor e muito calor embora as praias maravilhosas que a circundam.
Talvez por força de sua profissão que lhe obrigara, desde cedo, a passar dias teclando numa máquina de escrever “Remington Rand”, fato que lhe rendera uma terrível hérnia de disco, Adamastor sempre necessitou de uma fisioterapia especifica mesmo depois da chegada do futuro com a comodidade do computador. A velha máquina, “made in USA”, preta e prateada, bem reformada repousa agora em seu escritório domiciliar em lugar de destaque por justo merecimento. Foi testemunha ocular de muitos dramas, muitas separações traumáticas e até de crimes. O PC ainda labuta, é incansável, parece eterno...
Adamastor, por isso, era assíduo frequentador de uma academia de ginástica onde religiosamente, todo dia, se exercitava seguindo os conselhos médicos. Tornara-se uma prática que se incorporara a sua rotina diária.
Mas, houve um período em que por motivos alheios à sua vontade ele se viu, de repente, impossibilitado de fazer sua ginástica já que a competente e esmerada fisioterapeuta que lhe assistia mudara-se para BH de onde recebera proposta bem mais vantajosa e bem mais condizente com o seu talento. Por isso Adamastor parou de frequentar a academia.
Então, naquele dia calorento, que ficaria marcado para sempre em sua memória, recebeu um telefonema da academia. Telefonema no celular mesmo. Não havia ainda o tal “zap- zap”. Havia um mês, aproximadamente, sem que ele fizesse qualquer exercício por mais simples que fosse.
Uma voz macia, de sonoridade bem jovem, convidava-lhe para retomar à ginastica. Informou-lhe que nova profissional assumira os alunos da antiga e já estava dando sequência aos trabalhos de aperfeiçoamento corporal a todos que assim desejassem e as 4 horas tinha um horário vago. Dissera, ainda, que a nova fisioterapeuta era tão competente como a anterior. Insistira muito, evidente.
Adamastor, é bom lembrar só para constar, estava bem acomodado numa larga poltrona de couro verde sob a proteção do ar-condicionado estudando um processo do qual deveria participar no tribunal de justiça, advogado que era.
O velho relógio da parede marcava exatamente 3 horas da tarde. Lá fora um sol incandescente despejava seus raios UV sem qualquer preocupação sob uma temperatura que beirava os 40º. Uma brisa abafada de vez em quando soprava um vento morno como a avisar aos incautos para permanecerem em casa, embora não houvesse nenhuma pandemia.
Adamastor embora conhecesse muito bem os efeitos do calor naqueles dias tormentosos de janeiro e as consequências de enfrentá-lo acabou por sucumbir ao convite, máxime porque – pensara – lá também tinha ar-condicionado. E assim se preparou e partiu em direção a Academia de Ginástica que ficava perto de onde ele estava.
Mocinha simpática, bem-humorada, metida num macacão verde limão, exuberante, e muito próprio para a ocasião o recebeu e muito dada foi logo palreando sobre seus cursos e suas experiências na área tentando despreocupá-lo, pois parecia que Adamastor lhe dera impressão de nervosismo, muito embora ele
não estivesse nervoso.
Pois bem. Terminadas as apresentações e os rasgas-seda iniciou os tais exercícios. Talvez pelo tempo que ficara parado ou talvez, quem sabe, por outro motivo inexplicável depois de uns 20 minutos Adamastor se sentiu extremamente mal. Sua vista começou a turvar, o estomago dava mostras de revolta e um suor gelado instalara-se em seu corpo. Sensação horrível de abandono tomou-lhe a alma.
Foi levado então a se deitar numa improvisada mesa de ginastica. Ainda chegou a ver algumas pessoas que se aproximavam e que ali também se exercitavam. Levantou metade do corpo e fez vômito. E só... Nada mais viu... Apagou completamente.
Porém, de repente, num átimo de segundo se sentiu perfeitamente bem e se viu acima na sala quase tocando o teto. Um silêncio indescritível pairava no ar. Uma paz jamais sentida em toda a sua vida tomou-lhe o ser. A imensidão que via a seu redor, embora vazia, não dava medo, não mostrava solidão, ao contrário, passava-lhe uma sensação de muita vida sem que Adamastor atinasse por que já que não via ninguém naquela imensidão. Não sentia qualquer preocupação. Havia em seu íntimo a certeza de que todos os problemas de sua vida não eram nada a vista de uma vida maior, mais importante, mais real que compreendeu que ali existia.
Prenhe de júbilo, sem qualquer receio, sem qualquer desconfiança olhou para baixo e foi então que viu a mesa de ginastica, as pessoas em volta dela e um corpo estendido inânime. Sem chegar a entender ainda o que se passava viu chegar lá embaixo, apressadamente, quase volitando, três pessoas envoltas em aventais brancos tenuemente iluminados. Mas não era uma iluminação que clareava nada. Era um branco meio que fosco. Curioso como eles passaram, no íntimo de Adamastor uma sensação de estranha e imensa confiança.
Quando os três se abeiraram da cabeceira Adamastor reconheceu perplexo a sua própria pessoa estendido na mesa e antes que pudesse formar um raciocínio do que estava ocorrendo acordou sob o espanto dos presentes e sem a presença de qualquer dos médicos ou o que lhe parecera serem médicos que vira. Tudo isso durara cerca de cinco minutos. A choradeira se acalmou e, por medida de segurança levaram Adamastor para um hospital. Exames posteriores nada apontaram de irregular, mas a partir daquele instante ele teve confirmada, por benesse do Céu, a certeza que sempre teve de que há vida depois da morte.
Nelson de Medeiros
- Autor: Nelson de Medeiros ( Offline)
- Publicado: 29 de outubro de 2021 12:56
- Comentário do autor sobre o poema: O fato é verídico. O importante de tudo foram as sensações, os sentimentos que talvez não possam ser descritos com precisão com as palavras que tenho. PS. Críticas e Explicações são super bem vindas.
- Categoria: Conto
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Comentários5
Sei que és democrático e estás aberto à críticas e/ou opiniões porventura divergentes, mas, não vejo como criticar um registro destes. A Experiência de Quase Morte, é real. VIVA, SALVE, tua sensibilidade e espiritualidade. Baita abraço. Parabéns, poeta.
Bom dia poeta dos pampas.
Às vezes, meu amigo, a verdade assusta e quantos por ai não querem ver aquilo que é...
1 ab
E' um fato curioso que mexe com as nossas " crenças" e nos faz ficar num estado nebuloso. Grata por partilhar.
Bom dia minha amiga poeta.
Pois é... Mas, não é uma questão de crença aqui. É questão de fato, dificil de explicar muita vezes.
1ab
Eu acredito em vida após a morte.
Boa noite!
Bom dia minha amiga poeta.
Ah! Que bom, pois que ela existe e é muita vida,,,
1 ab
Conto esplendido !
parabéns amigo , abraço.
É isso meu amigo.
Valeu pela leitura.
Mistérios que a vida nos prepara n´?
1ab
Nelson, excelente contador de histórias! gostei muito. O assunto me interessa, conheci pessoalmente três pessoas que passaram por essa experiência. Assim como no resto do mundo, esses casos eatão sendo estudados no Brasil , principalmente pelo médico neurologista Edson Amancio e pelo físico Carlos Mendes. Gostei muito que você tenha levantado esse assunto, que nos aponta novas fronteiras da ciência. Abraço.
Boa tarde poeta.
Pois é. A sensação é extremamente agradável embora pudesse parecer ruim. Não é...
1 ab
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