Cecilia

CASTRO ALVES

                                                                   Castro Alves

                                                                         Para Chico Lino

 

          Sempre gostei de poesia.    Menina ainda, declamava os longos e tristes poemas da moda, mas não os apreciava.    Foi quando descobri Castro Alves, que não chorava, nem se lamuriava.   Atrevido, bramia contra a escravidão e  exaltava   seus ardentes amores.   E era lindo, olhos sonhadores e melenas de poeta.   O primeiro homem que me chamou a atenção, antes que eu   encontrasse   o amor.

          Foi idolatria, decorei todos os seus poemas, solucei quando li que morrera jovem, aos 24 anos, das complicações de um tiro no pé.

         Então,  apaixonei-me, de verdade, sem esperança, pelo homem mais lindo do mundo, que morava na esquina.   Milagres   acontecem.    Quis a sorte, madrinha, que o lindo gostasse de mim, afinal.

            Um dia meu príncipe, entre tímido e vaidoso, confessou  que, na solidão das barrancas do rio, inspirado pelo luar e pelo suave influxo da primavera, tinha me  composto  um poema!  Seria o primeiro, talvez único, escrito só para mim!       

            Um ramo de rosas vermelhas, uma joia de ouro, uma serenata de violinos, seriam pífias oferendas diante da maravilhosa originalidade de um poema todo focado em mim.   Aguardei com sofreguidão.   Eu, que nunca recebera sequer um correio elegante nas quermesses da Matriz...

             Meu Deus!   Poema longo, romântico, decassílabo, acentos na quarta e na décima.   Vocabulário rico e antiquado, normas poéticas perfeitas.   Menos onde meu nome se destacava: três sílabas, num espaço no qual só caberiam duas, estropiando os versos!

            Erro tosco em poema perfeito?  E o sabor de século passado?  E aquele ritmo, tão meu conhecido?      O nome do poema é “Não Sabes”.   Eu   sei!   Eu sei!   De cor, há anos!   É de Castro Alves.   

            Ofendi-me com a mentira deliberada, chorei de raiva.  Esse   pseudo bardo também se deu um tiro no pé  :   tentou me encantar e me desencantou   para sempre, com gigantesca decepção.   

       E quem morreu, das complicações desse tiro no pé, foi   a luminosa magia do primeiro amor.

 

 

  • Autor: Cecília Cosentino (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 12 de Agosto de 2021 10:57
  • Comentário do autor sobre o poema: O tempo passou e passou. Depois dos cabelos brancos veio a maravilhosa surpresa de ganhar um lindo poema: "ADEGA DOS SONHOS", publicado neste espaço, e que hoje, modestamente e com muito carinho, tento retribuir. Mil salvas de tiros para o nosso querido amigo CHICO LINO!
  • Categoria: Conto
  • Visualizações: 50

Comentários8

  • Cecilia

  • Shmuel

    Nossa, Cecília, que texto mais encantador. Li, reli, e confesso é de emocionar. Parabéns, nobre poeta. Entendo a minha satisfação, ao poeta e amigo Chico Lino, graças a ele, você foi inspirarada, nesta bela criação.
    Abraços,

    • Cecilia

      Obrigada, Shmuel. Parece conto, mas até as vírgulas são reais. Levei 70 anos para criar coragem de contar... Grande abraço

    • Claudia Casagrande

      Que texto encantador, dona Cecília.
      Poetas como vocês, inspiram-se entre si e nos dá suas criações de presente.
      Obrigada e parabéns!

      beijos

      • Cecilia

        Muito obrigada, colega! Neste espaço, todos aprendemos com todos. Verdade, acontecido nos idos de 50. Beijos

        • Claudia Casagrande

          Dona Cecília, tem como editar meu comentári? queria corrigir o erro de concordância

        • 1 comentário mais

        • Maximiliano Skol

          Querida Cecília, de um fato real você o direcionou para um ditado popular cuja semântica atingiu em cheio, com um tiro, o seu pretenso falso poeta e apaixonado. Você tem a expertise do suspense nos seus contos verídicos, ou não. Eram versos decassílabos e sáficos. Aposto que ao invés de VIRGEM o seu primeiro amor frustrante inseriu CECÍLIA. Ô, bobo, “ foi por lã, e voltou depenado”. Logo com a Cecilia!!
          É motivo de alegria para mim ver o seu nome sob uma publicação.
          Beijos.

          • Cecilia

            Maximiliano.
            Agradeço, encantada, a leitura crítica e atenciosa dos meu texto Sua pinça revela, às vezes, detalhes que eu desconhecia, e que depois aproveito. O caso é real, sim, e meu. Adorei que você espinafrasse o poetastro! Beijos, meu amigo querido.

          • Chico Lino

            Cecília, isento de todas as falsas modéstias, sinto-me muitíssimo honrado em estar arrolado a Castro Alves, Bardo distante, tão presente e a você, Querida Poetisa, Presente, presente… Confesso, sem quaisquer pudores, sua dedicatória, também é a minha primeira vez…

            Gratíssimo em sabê-la,

            Forte Abraço
            Chico Lino

            • Cecilia

              Chico Lino, meu querido amigo. Afinal consegui retribuir a surpresa encantadora de ganhar "ADEGA DOS SONHOS", Precisei procurar muito Não me atreveria a dedicar-lhe texto caudaloso , ou sem originalidade .. Fico feliz em ter agradado , mas ainda sou sua devedora. Beijo

            • Nelson de Medeiros

              Bom dia poeta.
              CASTRO ALVES.... O maior de todos!!!

              1 ab

            • Edla Marinho

              Querida Cecilia, encantada fiquei eu lendo seu texto.
              Que narrativa elegante, informativa (sou pobre de conhecimento sobre os poetas famosos), um pouco engraçada e tão gostosa para leitura.
              Meus parabéns, minha admiração, minha querida!!
              Tenha um excelente fim de semana, meu abraço!

              • Cecilia

                obrigada, Edla. Estou me esforçando para fazer narrativas curtas e com alguma graça. Abraço,

              • Sergio Neves

                SERGIO NEVES - ...olha,...a tua eloquência literária é admirável!...e aqui "eloquência" eu digo como sendo muito adiante de uma qualquer simples desenvoltura no dizer as "coisas"...,...é mágico a tua forma de expressar o que de inspiracional tens...,..."prende" o leitor!...excelência total! / ...mais um texto "empolgante! // ..
                ...agora, cá entre nós...,...mesmo levando em consideração um possível eu lírico qualquer, esse "decorei os seus poemas" (estamos aqui falando dos poemas de Castro Alves) não foi além da conta, não?...não há nisso embutido o mesmo "pecado" ("ofendi-me com a mentira deliberada") atribuido a esse teu tal quase concreto primeiro amor?...se bem que, cá entre nós, eu teria levado em boa consideração a tal mentirinha,...o rapaz teve a melhor das intenções na tentativa de poder demonstrar a sua paixão...,...talvez devesse ter tido alguma complacência pelo ato...,...eu acho que merecia uma nova chance, afinal, foi por amor (rsrs)... // ...caramba, "falei" pra dedéu! (...e toda essa minha fala, subconcientemente acabou por me remeter ao meu primeiro poema postado aqui: "Isabel"...) // ...portentoso esse teu escrito! /// Meu carinho.



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