Ela não sabia que eu a observava.
Era cedo —
o sol ainda se espreguiçava entre as cortinas,
e o cheiro de café recém-passado
misturava-se com o som do rádio antigo,
tocando uma música que ela gostava sem saber o nome.
Descalça,
camiseta larga,
um coque malfeito como quem desafia a gravidade —
ela dançava.
Não por mim,
nem por ninguém.
Mas por algo dentro dela
que parecia sempre em festa.
Os pés deslizavam no piso frio
como se o chão fosse mar.
As mãos faziam gestos leves,
ora pegando uma colher,
ora erguendo o corpo num giro
que deixava sua risada cair no ar,
feito açúcar.
Fiquei ali.
Na porta.
Imóvel.
Como se qualquer palavra minha
interrompesse a verdade do momento.
Pensei em quantas vezes tentei “amar direito” —
seguindo receitas,
planejando surpresas com final feliz,
corrigindo a curva de quem era o outro
pra caber na ideia do que eu achava que fosse amor.
Mas ali, entre o cheiro de pão na torradeira
e a luz morna da manhã em seus ombros nus,
eu entendi:
o que me prendia a ela
não era o que eu esperava que ela fosse,
mas o milagre de vê-la sendo,
sem pedir licença.
E mais:
me permiti respirar fundo
e ser também —
com todas as minhas dobras,
meus medos sem nome,
meus silêncios difíceis.
Naquele instante,
não houve promessas.
Nem planos para o futuro.
Só a dança dela.
O café ficando pronto.
E um coração aprendendo
que o amor não exige moldes —
apenas presença.
E mãos gentis.
-
Autor:
Sezar Kosta (
Offline)
- Publicado: 27 de agosto de 2025 10:20
- Comentário do autor sobre o poema: Amar alguém é deixar que ela seja exatamente quem é — e se permitir ser também. É no encontro entre duas verdades que o mundo muda devagar, como um jardim regado por mãos gentis.
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 13
- Usuários favoritos deste poema: Sezar Kosta, Luana Santahelena, Poeta por acaso
Comentários4
Sezar, teu poema é uma delicadeza que dança junto com a cena descrita. ? É como se a cozinha virasse palco e o amor, simples e inteiro, se revelasse nos gestos cotidianos. Ler esse texto é sentir que a felicidade mora mesmo nos instantes pequenos e verdadeiros. ?
Nossa que sena linda você escreveu em seu poema, consegui sentir o Amor em cada detalhe. Parabéns poeta. Bom dia.
Maravilhoso!!
Sempre tão romântico e inspirado pelas coisas simples, corriqueiras que a vida oferece. Muitos procuram o amor em coisas fúteis ( grandes, aos olhos...)
Mas você, poeta nos mostra como o amor verdadeiro é grande na simplicidade e verdade.
Parabéns por mais essa linda obra!
Meu abraço!
SERGIO NEVES - ...pois é, meu conterrâneo amigo, "cada um no seu quadrado" (aqui, mais como uma força de expressão)...,...ela dançando na cozinha -leve, alegre, feliz- "como se o chão fosse mar"...,...e tu a derramar "no papel" essas belezuras poéticas -singelas, profundas, sentidas- como se toda a sensibilidade do mundo só de ti fosse... // ...bonito! ..."gostoso" de se ler... /// Abçs.
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