Ela não sabia que eu a observava.
Era cedo —
o sol ainda se espreguiçava entre as cortinas,
e o cheiro de café recém-passado
misturava-se com o som do rádio antigo,
tocando uma música que ela gostava sem saber o nome.
Descalça,
camiseta larga,
um coque malfeito como quem desafia a gravidade —
ela dançava.
Não por mim,
nem por ninguém.
Mas por algo dentro dela
que parecia sempre em festa.
Os pés deslizavam no piso frio
como se o chão fosse mar.
As mãos faziam gestos leves,
ora pegando uma colher,
ora erguendo o corpo num giro
que deixava sua risada cair no ar,
feito açúcar.
Fiquei ali.
Na porta.
Imóvel.
Como se qualquer palavra minha
interrompesse a verdade do momento.
Pensei em quantas vezes tentei “amar direito” —
seguindo receitas,
planejando surpresas com final feliz,
corrigindo a curva de quem era o outro
pra caber na ideia do que eu achava que fosse amor.
Mas ali, entre o cheiro de pão na torradeira
e a luz morna da manhã em seus ombros nus,
eu entendi:
o que me prendia a ela
não era o que eu esperava que ela fosse,
mas o milagre de vê-la sendo,
sem pedir licença.
E mais:
me permiti respirar fundo
e ser também —
com todas as minhas dobras,
meus medos sem nome,
meus silêncios difíceis.
Naquele instante,
não houve promessas.
Nem planos para o futuro.
Só a dança dela.
O café ficando pronto.
E um coração aprendendo
que o amor não exige moldes —
apenas presença.
E mãos gentis.