Sezar Kosta

ENQUANTO ELA DANÇAVA NA COZINHA

Ela não sabia que eu a observava.

Era cedo —

o sol ainda se espreguiçava entre as cortinas,

e o cheiro de café recém-passado

misturava-se com o som do rádio antigo,

tocando uma música que ela gostava sem saber o nome.

 

Descalça,

camiseta larga,

um coque malfeito como quem desafia a gravidade —

ela dançava.

Não por mim,

nem por ninguém.

Mas por algo dentro dela

que parecia sempre em festa.

 

Os pés deslizavam no piso frio

como se o chão fosse mar.

As mãos faziam gestos leves,

ora pegando uma colher,

ora erguendo o corpo num giro

que deixava sua risada cair no ar,

feito açúcar.

 

Fiquei ali.

Na porta.

Imóvel.

Como se qualquer palavra minha

interrompesse a verdade do momento.

 

Pensei em quantas vezes tentei “amar direito” —

seguindo receitas,

planejando surpresas com final feliz,

corrigindo a curva de quem era o outro

pra caber na ideia do que eu achava que fosse amor.

 

Mas ali, entre o cheiro de pão na torradeira

e a luz morna da manhã em seus ombros nus,

eu entendi:

o que me prendia a ela

não era o que eu esperava que ela fosse,

mas o milagre de vê-la sendo,

sem pedir licença.

 

E mais:

me permiti respirar fundo

e ser também —

com todas as minhas dobras,

meus medos sem nome,

meus silêncios difíceis.

 

Naquele instante,

não houve promessas.

Nem planos para o futuro.

Só a dança dela.

O café ficando pronto.

E um coração aprendendo

que o amor não exige moldes —

apenas presença.

E mãos gentis.