Desabafo

Vasco Alberto

Pediste-me para desabafar,  
então aqui vai: 
não sei se a vida faz sentido,  
ou se somos nós que tentamos  
dar-lhe um quando já é tarde demais.

 

Há dias em que tudo parece pesado,  
mesmo o que deveria ser leve.  
E não é o trabalho, nem o mundo lá fora.  
É cá dentro.  
Uma espécie de vazio,  
mas não de falta —  
um vazio de excesso.  
Como se houvesse tanto a sentir  
que acabei por não sentir nada.  


  
Vivo a pensar no amanhã,  
mas o amanhã nunca chega,  
e o hoje parece sempre uma espera  
para algo que não sei se quero ou preciso.  
Sabes o que é mais estranho?  
Ninguém nos ensina como parar,  
como simplesmente estar.  
Estamos sempre a correr,  
sempre a procurar respostas,  
mas e se as perguntas forem erradas?  


  
Disseste para desabafar,  
mas há coisas que nem eu sei dizer.  
Às vezes sinto que ando  
numa espécie de labirinto,  
a seguir um caminho que já foi traçado,  
mas que nunca escolhi realmente.  


  
Há uma expectativa  
que nos acompanha desde cedo,  
como se tivéssemos que ser algo,  
alcançar algo,  
e, se falhamos nisso,  
falhámos na vida.  
Mas quem decidiu o que é o sucesso?  
Quem disse que devemos ser mais  
do que aquilo que já somos?  


  
Pediste-me para desabafar,  
e eu desabafo:  
tenho medo de não chegar a lado nenhum,  
mas mais medo ainda de seguir  
um caminho que não é o meu.  
Queria encontrar paz nas coisas simples,  
mas parece que até isso nos exigem —  
sermos tranquilos, sermos equilibrados,  
como se fosse uma regra.

 

E quando te falam de felicidade,  
parece sempre uma meta distante,  
um lugar que outros encontraram,  
mas tu não.  
E se a felicidade fosse apenas  
um momento,  
um minuto em que tudo parece certo  
e depois volta o caos?  
Talvez a vida seja isso:  
pequenos intervalos de paz,  
espaços curtos de clareza  
no meio de toda esta confusão.

 

Agora que desabafei,  
não tenho respostas.  
Só sei que continuo,  
porque parar parece impossível,  
e continuar é o que nos resta.

  • Autor: Pedro Santarém (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 2 de outubro de 2024 16:57
  • Comentário do autor sobre o poema: Este poema, para mim, é uma espécie de espelho de momentos que todos, em algum ponto, vivemos. Ele fala da confusão e do peso de não termos todas as respostas, de seguirmos caminhos sem plena certeza de onde nos levam. É um desabafo sobre a pressão silenciosa de encontrar sentido em tudo, de alcançar metas que nem sempre sabemos se são nossas ou impostas por outros. Escrevê-lo foi como reconhecer que a vida é feita de pequenas pausas de entendimento no meio de muito caos, e que é natural sentir-se perdido às vezes. Ele reflete a necessidade de nos libertarmos das expectativas externas e aceitar que, talvez, o verdadeiro sucesso seja apenas continuar, sem respostas definitivas, mas com a coragem de viver os momentos conforme eles vêm. É, no fundo, um lembrete de que nem sempre precisamos ter tudo resolvido, e isso, por si só, pode ser libertador.
  • Categoria: Reflexão
  • Visualizações: 10
Comentários +

Comentários2

  • Lilian Fátima

    Vivemos em busca de respostas e nisso nos perdemos em caminhos, é o viver. Saudações a tua poesia.

    • Vasco Alberto

      Tens toda a razão! Estamos sempre à procura de respostas, e, no processo, acabamos por nos perder nos caminhos da vida — mas talvez essa seja a essência de viver: aceitar que as perguntas e as incertezas fazem parte da jornada.

    • Shmuel

      Viver é uma arte que exige ensaio. E o desabafo talvez seja o exercício ideal.

      Abraços!

      • Vasco Alberto

        Obrigado pelo comentário, abraços!



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