Nos momentos fraternos parece desaparecer qualquer coisa...
Não sei muito bem o quê e isso me deixa feliz – a inconsciência é
uma dádiva. Respiro. Repito. Remo pensamentos. Resigno-me.
Uma densidão comum e exuberante é refinada no processo e
conflui em forma de resposta-oposta. Assim nascem bonsais
de fraternidade, leves, cálidos e graciosos.
Qualquer coisa que é efêmera tem seu tempo para desabrochar
muito certo. Não me agrada muito o específico, mas tenho, com
o tempo, compreendido melhor o ritmo-caminho. O ritmo da
música que me é natural transpus para a vida – qualquer coisa
fez sentido. A palidez do que o olho vê é insubstituível; o azul da
melodia consome e é consumido; ensina, come, mata e ensina.
Não há mais coisas há fazer nos momentos de "qualquer coisa"
especiais – o inefável é que diz, é como nada, é simples assim.
O relógio me lembra de finalizar esse dia; recuso-me insolentemente,
mas com o coração de quem sabe qual é a resposta-oposta e o
ritmo-caminho natural dessas coisas. Sei no consciente, mas o que
mais importa é o inconsciente no fundo d'alma, atrás do pensamento...
A magia da palavra – até mesmo dessa que é demasiado limitada
para definir momentos onde qualquer coisa efêmera e luminosa
escapa de forma ludibriosa – consegue contagiar a alma, fico cheia
delas, mas quando qualquer coisa especial acontece, sinto-me sendo
retirada delas. Voam e somem. Como se nunca houvessem existido.
Conheço-as, mas o meu inconsciente íntimo ignora-as; é um faz-de-
conta sublime. Aprecio o que vejo sem relógios humanos por perto.
Como se o tempo parasse, minha alma sente-se tão acordada que
meu corpo dorme. Paro lentamente. O pensamento voa como uma
ave sobre o mar, engulo todos os desejos e estou. Essa incapacidade
de capturar esse magnífico quadro, essa vontade de o fazê-lo e essa
minha memória curta, estão todos despejados no inefável do meu
coração. Apesar dessa incapacidade, sou grata pela capacidade
divina de olhar como quem nunca chorou, a vida que desabrochou.
- Autor: Hyun (em coreano significa: iluminado) (Pseudónimo ( Offline)
- Publicado: 20 de agosto de 2024 12:55
- Comentário do autor sobre o poema: Li o livro "Livro sem fim" do maravilhoso Rubem Alves e esse poema, que surgiu mês passado apenas como um rascunho, ganhou vida completa hoje. Mais uma árvore cresceu! Após um tempo sem postar, irei aproveitar essas férias de verão para ir postando os poemas para alegrar minha vida ao escrevê-los e adoçar a daqueles que sentem prazer em lê-los. Espero que estejam todos saudáveis e bem! Viva a força da poesia!
- Categoria: Espiritual
- Visualizações: 12
- Usuários favoritos deste poema: Antonio Luiz, Letícia Alves
Comentários3
SERGIO NEVES - ...minha querida Letícia...,...depois de longo e tenebroso inverno voltaste com tudo! ...li esse teu escrito por completo e depois reli,...nessa releitura procurei dar a máxima atenção a cada frase (verso) para absorver melhor o todo significado desse teu poema...,...confesso que na primeira vez me deixaste um tantinho quanto "atordoado" na tentativa de compreender...,...depois, com mais "compenetração" fui entendendo todo a tua mágica inspiração
...,...derramaste aqui um vasto "apanhado" subjetivo que, em verdade, acaba por abarcar um vasto sentimento que é inerente a mentes privilegiadas como a tua...-o difícil é colocar isso no papel da forma fantástica (essa é a palavra certa) como tu colocaste...,...me fizeste "aprender" mais sobre como desenvolver uma "idéia" de certa forma complexa...,...um escrito pra lá de "desabrochador" de intimos inconscientes! // ..."adoçaste-me" com o prazer dessa leitura! /// Carinhos carinhosos a ti.
Olá, querido Sérgio! Como é bom ler as suas maravilhosas apreciações!!
Em relação ao sentimento de “atordoação” que sentistes haha sinto que é o mesmo que eu sinto na hora em que procastino para editar as poesias, pois sei como quero e por isso tenho consciência do trabalho que dá haha e compreendo que não é tão simples de compreender à primeira leitura, pois quando leio para uma amiga minha, eu sempre acabo tendo fé explicar haha, inclusive ela acha muito legal e “fora da caixa” as explicações e ver como eu enxergo as coisas que escrevo. Foi por essa razão, pra que a minha poesia pudesse ser compreendida com o máximo possível de totalidade – a despeito da poesia não ter o propósito de ser meramente compreendida somente, mas sim sentida –, que eu recorri às notas de rodapé nos poemas para esclarecê-los, pois penso que para de desfrutar da arte poética temos de, também, entender a sua forma, depois disso vem a fruição estética. Não vou negar que tenho imensa preguiça – e essa é a palavra mais assertiva – de explicar DETALHADAMENTE cada poema nas observações como explico às amigas minhas, mas as explicações que tomo como imperiosas estão sempre nas notas de rodapé.
Mas olha uma coisa interessante... Talvez por isso eu ame também ver os comentários de outras pessoas acerca do que escrevi. Eu saio da minha própria caixa (que já é totalmente fora da caixa – ”atordoada” haha) e passo a ver a perspectiva do leitor alheio. Adoro essa quebra de paradigma, a sua mudança é INCRÍVEL de observar!!
Aliás, caso queira, posso fazer um texto aqui comentando acerca de partes do poema que julgo que necessitem de um leve esclarecimento (seria um prazer nesse caso).
Acerca do aprendizado que obtivestes, que FANTÁSTICO. Adorei ler esse relato. Essa é a verdadeira doçura da poesia: aprender levemente através dos sentidos do outro que comungam com os nossos. De interior pra interior.
Tudo de bom, abraços iluminados!!
SERGIO NEVES - ...minha querida menina "quase portuguesinha"...,...fique à vontade para expor aqui outras considerações quaisquer com relação ao(s) teu(s) escrito(s)... (esse "quaisquer" aqui está posto apenas numa condição semântica,...pois, em verdade, nada com referência a ti pode-se ser atribuida uma situação de "quaisquer"...)...,...fique à vontade para tanto,...até que me faria muito gosto,... /// Carinhos.
Na primeira estrofe do poema é notório uma influência forte de Alberto Caeiro sobre a arte de "não pensar" em linguagem simples. Todo a ideia que defendo nesse poema define-se na sua frase: "Há metafísica bastante em não pensar em nada." Também está de acordo uma das citações do seu poema mais célebre: O guardador de rebanhos:
"Creio no Mundo como num mal-mequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)"
E eu, pensadora nata por natureza, estou aprendendo a não pensar tanto, ou melhor a "(des)pensar para despesar", como disse num poema antigo meu. É uma das melhores coisas que venho feito. Por isso escrevi nesse: "Não sei muito bem o quê e isso me deixa feliz – a inconsciência é uma dádiva." E isso exige um ciclo: "Respiro. Repito. Remo pensamentos. Resigno-me." O próximo passo é aceitar a atmosfera que me cerca docemente, ao mesmo passo que ignoro o pensar e concientizar-me de tudo: "Uma densidão comum [os momentos que são fragmentados] e exuberante [fragmentados e bonitos] é refinada no processo [aqui o refinamento é essa atitude de não pensar demasiadamente, apenas ser] e conflui em forma de resposta-oposta [o termo resposta-oposta quer dizer a resposta-chave ou correr que leva-nos na direção contrária da que nós esperávamos, somos guiados para outro caminho que é o verdadeiramente correto, o que acontece propriamente quando evitamos pensar repetidamente em tudo"]. Sobre essa frase há uma música do único cantor português que aprecio que define lindamente:
"Quando a vida leva a gente
Para um lugar diferente
Daquele que a gente espera
Quanto mais a gente pensa
Quanto mais a gente quer
Mais a vida nos contempla
De um outro jeito qualquer
Melhor assim
Sem querer controlar o que vem
E sem querer regressar
A um lugar comum"
A frase final da estrofe retoma tudo dito no início: "Assim nascem bonsais
de fraternidade, leves, cálidos e graciosos." As plantas que mais admiro ao lado dos girassóis (por crescerem deixando-se guiar pela luz do sol), são os bonsais, pois é necessário muito cuidado para mantê-los vivos, mas após o trabalho árduo, que metaforicamente atribui à capacidade de (des)pensar ou não pensar, como preferir, o resultado é simplesmente lindo; é magnífico!
Sobre a segunda estrofe: "Qualquer coisa que é efêmera tem seu tempo para desabrochar
muito certo. Não me agrada muito o específico, mas tenho, com o tempo, compreendido melhor o ritmo-caminho." Acho que é nítido. Tudo que é passageiro acaba muito rápido ("tem seu tempo para desabrochar muito certo") e sofro com isso (todos os poetas sofrem, certo? haha). Mas, com o tempo, através dessa filosofia de vida mais estoicista, não mais em busca duma totalidade intelectual, ou qualquer que seja, tenho aprendido as "respostas-opostas" da existência nessa vida. Não é fácil e nem sempre consigo apreendê-las para compreende-las e, por fim, aprendê-las. No entanto, ao escrever essas coisas se claream na minha mente e na forma de um poema tudo isso se solidifica. É como construir uma casa de tijolo em tijolo; formam-se muros, os retoques de tinta são as partes finais e, no fim, a casa que eu nem sabia como queria ou como sequer seria é tudo que eu queria expressar. Na teoria da arte expressivista Collingwood (essa foi minha tese de filosofia, por isso liguei esse tópico aqui), esse é o intuito da arte, ela funciona como um processo psíquico-terapêutico na mente do artista que, ao expressar aquilo que sente e nem mesmo compreende, consegue esclarecer, individualizar e articular suas emoções - transforma a "sua bagunça" em arte. É isso que faço. Exatamente isso. E o melhor? É tudo seguindo os paços da inconsciência - a melhor mestra.
Adiante. Sou fascina por várias formas de arte. Música é uma das coisas que não viveria sem. Nietzsche acertou em cheio quando afirmou que "sem a música a vida seria um erro"! Logo,a melhor metáfora para expressar essa sensação de paz e alegria interior seria o seu ritmo: "O ritmo da
música que me é natural transpus para a vida – qualquer coisa fez sentido." No último verso, afirmo que "A palidez do que o olho vê é insubstituível; o azul da
melodia consome e é consumido; ensina, come, mata e ensina.\" Esse verso pode parecer, a princípio, um pouco emblemático, mas a sua mensagem é o mera insignificância dos pensamentos a priori, quando colocados na mesma lista dos a posteriori - é muito mais relevante a sensação de ver, notar, enxergar por si só algum fenômeno encantador do que limitar-se à mera lembrança do que se viu. Mas como tudo passa, essa "melodia" (o fenômeno ou os momentos que não queremos que acabem) é consumida, mas antes de acabar me ensina algo (quando permito limitando a doença de pensar), sou comido por essa sensação, morro com ela quando esta termina, e mais uma vez aprendo dela algo novo ao refletir (dessa vez utiliza-se o pensamento como artifício \"do bem\", com equilíbrio).
A terceira estrofe e a quarta não acho que tenha nada para acrescentar. É nítido.
Seguindo. A última estrofe é a descrição do que acontece dentro de mim e os pensamentos finais: "Como se o tempo parasse, minha alma sente-se tão acordada que meu corpo dorme." É tão grande o êxtase que sinto que meu corpo físico não consegue responder à força do pensamento, à essa coexistência que parece ser partilhada e vivida apenas pelo meu eu espiritual/metafísico/mental e o momento "mágico", deveras sublime. Seguidamente "Paro lentamente. O pensamento voa como uma
ave sobre o mar, engulo todos os desejos e estou." Deixo de desejar grandes coisas, de aspirar todas as coisas do mundo que "me disseram para seguir". Nesse momento nada disso existe. Eu sou e nada mais. No verso seguinte afirmo que não é possível, mesmo que tente, expressar com a exatidão do que sinto no momento o que acontece no meu coração: "Essa incapacidade de capturar esse magnífico quadro, essa vontade de o fazê-lo e essa minha memória curta [retomo a questão de não conseguirmos lembrar-mos com a mesma clareza e nitidez aquilo que vivenciamos e eu, em particular, muito menos] , estão todos despejados no inefável do meu coração [resta o silêncio que é tudo. Ele e o momento]."
Em conclusão: "é gostoso fazer jardinagem, não arquitetura." - frase do documentário que vi na Netflix sobre a mente
Querida poeta e amiga Letícia,
Demoraste para aparecer, mas voltaste arrebentando. É indescritível o prazer de ficar à sombra de mais essa árvore crescida e compartilhada.
Obrigado, e parabéns!
Um abraço.
Muito obrigado, querido Antonio!
Seu comentário me deixou muito feliz!!
Abraços.
SERGIO NEVES - ...minha querida Letícia, eu vi e li com a máxima atenção a tua "colocação" a mim direcionada sobre o teu escrito,...num resumo eu posso te dizer que és além da conta no "explicar" as tuas posições filosóficas!/poéticas/literárias,...gostei por demais das tuas "explanações"...,...te responderei mais a miude com um pouco mais de calma e de tempo,...como a tua perspicácia e inteligência merecem... /// Carinhos.
Não há problema algum haha, só o fato de eu saber que lestes as explicações e conseguiu retirar algo daquilo que depositei já fico contente! Pode poupar as palavras, caso prefira, e aproveitar mais o tempo que é sagrado demais haha Aliás, muito obrigada pelos elogios, de coração.
Sempre que puder vou enviar-lhe essas explicações-divagações sobre os poemas.
Tenha uma linda semana!
Abraços carinhosos!
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