LUZES DA CIDADE

Maximiliano Skol

            LUZES DA CIDADE 

Eu costumava frequentar aquele restaurante na Praça da Sé. Já não me lembro do nome, pois eu era muito jovem, então. O restaurante, ao mesmo tempo,  era um local onde  dançavam aqueles casais dados à boêmia e quando  na profunda noite se misturavam com outros,  tendo  parceiras de bordéis de ruas adjacentes. O dinheiro me era curto, portanto,  com uma garrafa de cerveja enfeitando a minha mesa eu permanecia,  até perto da madrugada. O  garçom, já acostumado comigo, de vez em quando me estimulava: "uma dose seca de vodca?" Eu lhe agradecia a aferta. Ele serviçal retrucava: "fique à vontade." Às vezes, num breve bate-papo entre nós, teminávamos em lúdicas gargalhadas. A pergunta dele tinha um matiz de empática ironia. E,  ali, observando a perícia de um ou outro casal na dinâmica das danças de samba, tango, bolero, mambo-jambo, chá-chá-chá e rumba; eu me encantava. Sem magoar minha autoestima eu lhes rendia  admiração, justamente, por não saber dançar. Uma vez numa viagem de navio Cruzeiro  aventurei-me a pagar  dólares por aulas de dança.  A parceira, instrutora  anericana, exclama:  "Ah, você  brasileiro e não dança  samba?" Disfarcei: "mama mia, sono tutto italiano." Caprichei na fonética do idioma.  Mas inapto para dançar, senti-me tímido por ser destituido de qualquer dote natural de ritmo. E terminei o curso na segunda aula. Assim, uma única  garrafa de Brahma seria o meu apoio na desculpa de manter-me no local pela noite adentro. Naquela época só existiam duas marcas de cerveja: a Brahma e a Antarctica, que, por sua  vez, oferecia ainda a opção da cerveja Pilsen.  Sem companhia alguma, solitário ali me postava e  ausente de qualquer acanhamento.  Bicava  um gole  num tempo e outra  bicada mais tarde e com isso parte da noite se esvaía. Depois  pagava a despesa e seguia  a dormir relaxado e satisfeito com  encantos e fantasias da alma boêmia; às vezes me deliciando no íntimo com algum amor platônico.
     Mas um dia me atrevi a sair sem pagar. No entanto,  um garçom recém-chegado, quis mostrar serviço, e a calhar no  dia do calote. "Lá vai ele sem pagar." O gerente me segura, empurra-me com veemência
ao balcão. "Como é,  rapaz? Paga, ou não paga?" É aqui que uma amizade  tem retorno– o meu  garçom amigo intervém: "deixa que eu pago a conta." Eu, surpreso, lhe agradeço... Ao descer a escadaria do salão ouço ele se justificar: "Esse garoto é interessante, nasceu para a noite. É uma mariposa inofensível. Amanhã ele volta."
    Profetizou certo. Até hoje as luzes noturnas de uma metrópole me pertencem. E vice-versa.

Tangará da Serra, 04/07/24

  • Autor: Maximiliano Skol (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 5 de julho de 2024 01:11
  • Categoria: Conto
  • Visualizações: 10
Comentários +

Comentários4

  • Maria dorta

    Prosa saborosa,com tons de auto biografia. E a vida e as pessoas sempre nos ensinando e surpreendendo...aplausos amigo!

    • Maximiliano Skol

      Olá, minha querida Dorta, sabes como me sinto com a tua visita.
      No entanto, persisto em dizer-te quão satisfeito e feliz o teu comentário me faz.
      Que tenhas um abençoado fim de semana.
      Beijos.

    • Shmuel

      Que conto gostoso de se ler, mestre!
      Nos final dos ano 70, comecei a andar no centro de São Paulo e tinha vários salões de bailes; na Rego Freitas, na região da Paulista: Baile da saudade, Club Homes, Patropi, Diamante Cor de Rosa (na av. Ipiranga)
      Teu conto me fez lembrar destes lugares maravilhosos.
      Sou apaixonado pelo Centro de SP, e sempre estou por lá, matando a saudade. Embora destes salões, somente o Clube Homes está ativo.
      Abraços, ao poeta Maximiliano Skol!

      • Maximiliano Skol

        Você, meu querido Shmuel, carrega uma rica bagagem de vivência, daí a sua excepcional sensibilidade poética expressa no seu versejar.
        Gratidão pela sua visita, meu amigo.
        Forte e fraternal abraço.

      • LEIDE FREITAS

        Um conto gostoso de ler com sabor de saudade.

        Boa tarde e excelente fim de semana, poeta Maximiliano Skol.

        • Maximiliano Skol

          Oh, minha querida Leide, como me foi bom, tardio, ler o teu comentário. E muito me lisonjeia quando tiveste a curiosidade de tardia, também, me visitar.

          Um fim de semana a contento.
          Beijos.

        • Claudia Casagrande


          Adorável!
          Desperta a curiosidade do quanto a ficção enfeitou a realidade.
          Um grande abraço, doutor.

          • Maximiliano Skol

            Minha querida Cláudia, você está sumida, mas me apareceu. Como é agradável ter uma sua visita, assim ocasional, aqui, no MLP. Veio matar as saudades que eu tinha da sua presença.
            Gratidão pelo comentário.
            Tudo de bom pra você.
            Beijos.



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