Cecilia

Carta á Minha Neta

   CARTA À MINHA NETA

 

 Minha querida

     Acabo de saber que  surgiu um  divisor de  águas na sua vida, e na minha    também .   Antes e depois do primeiro filho.   Antes e depois do primeiro bisneto.

            Tiro da prateleira a linda  Matrioska com a qual você gostava de brincar , abrindo seu ventre bojudo e encontrando lá outra boneca igual, encaixadinha.     E dentro dessa segunda  uma terceira,  e depois uma quarta, uma quinta, uma sexta. ..    um não acabar de bonecas  dentro de bonecas.

      Arrumo, carinhosamente, em cima da mesa, as quatro primeiras:  eu-bisavó, sua mãe-vovó, você-mamãe e  a criaturinha esperada..    Abaixo de  mim, três gerações, já me sinto uma verdadeira  Matrioska.   Obrigada, querida neta.

           Essa boneca, na sabedoria do folclore russo,  releva um detalhe  comovente:  Elos que somos na infindável corrente  das gerações,  desde o começo até o fim dos tempos, já nascemos trazendo, nos ovários,  os óvulos que formarão nossos futuros filhos.

            Quando você ainda dormia, no escurinho do útero da sua mãe, esse filho que agora se revela  já aguardava um encontro  de amor para vir a ser.    Não é maravilhoso que a natureza preparasse  a existência do seu filho  anos antes de você sequer sonhar com isso?

           Imagino você, ainda esbelta, estranhando   as outras pessoas  não saberem do segredo precioso que carrega debaixo do coração, desejando que a barriga se projete logo para todos perceberem, enlevados,  que vai ser mãe em breve, que vai oferecer á família e ao mundo um presente de valor incalculável.. 

     Imagino você, de olhos marejados diante da tela do ultra som, vendo pulsar,  como uma estrela , o minúsculo coraçâo do seu filho.    Colocando, no  porta retrato da cabeceira, a primeira foto do perfil, pensando nas feições  que terá, com quem irá se parecer.     

      É tão bom que hoje se saiba o sexo antes do nascimento do bebê, para  ter-se a ilusão de conhecê-lo, e tratá-lo docemente  pelo nome escolhido com carinho,.    Por mais que se pense e sonhe, ele será uma surpresa, uma incógnita,   Descanse.  Sempre   será  muito melhor do que poderíamos desejar,

     Imagino você, minha neta querida, no momento glorioso do primeiro choro do seu bebê,  partilhando  a onda de emoção que invade  a  sala de parto.   O mistério  do nascimento,  carregado de  um significado que ultrapassa o nosso entendimento, nos  toca  o mais fundo do ser.

           Os bebês humanos são frágeis, dependentes e indefesos, mais que qualquer outra cria animal.   Chegam, tomam conta de nossa casa, de tudo o que nós temos e somos.

     Enquanto pequenos, passamos anos olhando para baixo,  sentadas no chão,  curvadas sobre o berço, abaixadas para ficar da altura deles.

     Adultos, tomam conta de nós.   Haverá maior ventura na maternidade, que a de olhar para cima para falar com os filhos?   Em todos os sentidos.

     O tempo passa depressa.   Os filhos crescem, em pouco descobrem os cantos da casa, a porta da rua, as estradas do mundo.   Durante algum tempo são nossos companheiros de viagem nesta vida.

     São muito, muito mais:  nossos futuros companheiros de eternidade.

           Minha linda neta.   Pouso-lhe as mãos sobre a cabeça, invoco a força de todas as mulheres que me antecederam para pedir:   Deus os abençoe.

                                                                                                     Vovó

     

 

 

  • Autor: Cecília Cosentino (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 29 de Janeiro de 2021 09:38
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 14

Comentários4

  • Maria dorta

    Prêmio bem merecido. O poema é uma oração de reconhecimento ao milagre da vida e da necessidade dos cuidados de uma me é para perpertuar a cadeia da vida. Chapéu!

    • Cecilia

      Obrigada ,M aria. Não sou feminista, mas a maternidade é nosso galardão! Beijo.

    • Claudio Reis

      Me contenho em comentar, quero apenas me emocionar com a leitura, me emocionar mais, me emocionar até chorar.

      Quanta beleza em seu poema, poetisa Cecilia....Aplausos!!

      • Cecilia

        Obrigada, Cláudio, pelo seu comentário tão gentil. A maternidade foi o aspecto mais relevante da minha vida, realmente foi onde me encontrei. Abraço

        • Claudio Reis

          Abençoada seja sempre sua maternidade!

          Me emocionei com seu poema, me emociono com a poetisa, me emociono com a vida!

          Graças a Deus.

          Cecilia...Grande Abraço

        • Maximiliano Skol

          Querida Cecília, dá vontade de ter sido da sua linhagem e receber tanto carinho.
          Que seja abençoada a sua prole.
          Um beijo.

          • Cecilia

            Obrigada, Maximiliano. Atente: os meus recebem carinho de mão beijada. Os amigos o merecem. . Beijo.

          • Helena Rodrigues

            Quanta emoção
            Nos meus 56 anos de idade, posso dizer que foi seguramente o dia mais feliz da minha vida , o nascimento da minha única filha, o pegar nos braços aquele ser , tanto sentimento até então desconhecido....e, 22 anos mais tarde, ela passar me dos braços dela o meu primeiro neto, e anos depois mais um
            É muito amor ...
            Beijinho e um abraço



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