Exército de pandas

Rafael Marinho


Aviso de ausência de Rafael Marinho
NO

meu amor, eu gostaria muito de acreditar
que uma pandemia, 
na verdade, 
é um exército de pandas, 
mas ainda não é,
é um vírus invisível 
que antes de te infectar
já te infectou

confesso que a minha rotina 
era meu chão 
mas agora só restam incertezas
é o quinto dia de quarentena
e depois de contar 
quantos grãos de arroz tem no saco
não sei mais o que fazer
faço qualquer coisa
menos ir pra rua
pois até eu
que sempre tive medo da solidão me possuir
reconheço que o isolamento agora
também virou uma forma de amar

mas isso é tão irônico
pois uma hora dessas
eu queria estar isolado com você 
porque eu sou um fio desencapado
e você é a fita isolante 
que cola em mim
pois tu não deixa eu dar um choque em quem me toca sem querer
pois tu me faz sentir o contrário do que eu me sinto:
um risco à humanidade 

no entanto,
sem você nos meus braços
a ansiedade parece uma pedra entranhada bem aqui
na musculatura do meu coração
cada batida é uma certeza de que eu não sou perfeccionista, 
nada disso, fui promovido:
eu sou hiperfeccionista
e, por isso, sinto que é melhor ficar bem longe
eles dizem pra evitar aglomerações
mas há uma aglomeração de temores em mim
tenho medo de me aproximar do seu rosto
porque pode acontecer uma tragédia sem precedentes 
as cascas das minhas feridas podem arranhar a sua pele
que eu, de alguma maneira, sei que é feita de vidro
e eu posso soltar um espirro das galáxias e sua pele, se desfazer
porque eu, de alguma maneira, sei que ela é feita de poeira

mas então você quebra a expectativa, o silêncio e a minha cara
e diz que essas crises de ansiedade
não são o apocalipse
é apenas meu sistema de saúde mental entrando em colapso
são apenas os últimos obstáculos antes da glória
que existe uma luz no fim do túnel
e uma vacina no fim do coronavírus
e você começa a filosofar
que um homem que tinha medo do escuro 
foi ele 
que inventou a lâmpada 
que um homem que tinha medo de ratos 
foi ele
que inventou o mickey
que um homem que tinha medo de adoecer
foi ele
que inventou o antibiótico
e que um homem que tinha medo de si
se reinventou
e que você acredita sem sombra de dúvida que esse homem serei eu
por isso eu te agradeço
muito obrigado, meu amor
vou te esperar ansiosamente até os tempos difíceis passarem
até o dia em que a palavra pandemia
não vai se referir a uma doença
mas só poderá ser uma coisa:
um exército de pandas

27/03/2020

  • Autor: Rafael Marinho (Offline Offline)
  • Publicado: 22 de abril de 2020 16:29
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 18
  • Usuários favoritos deste poema: Linda Machado
Comentários +

Comentários2

  • Nelson de Medeiros

    Muito bem. Excelente a tua carta poetica onde em face da realidade tu contas teus sonhos e sentimentos à tua amada.

    1ab

    • Rafael Marinho

      Obrigado, Nelson. De verdade. Muito bom escutar seu comentário!

    • CORASSIS

      Parabéns poeta !
      Gostei



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