Dez segundos para o milagre, dizem.
O universo, vasto e distraído,
segue girando sem saber
que, aqui embaixo,
num ponto quase invisível do mapa,
decidimos que o tempo pode tropeçar.
Dez, nove…
Vestimos branco
como quem pede desculpa ao espelho,
tentando disfarçar
os roxos invisíveis
que outubro deixou.
Oito, sete…
A esperança contrai e relaxa,
músculo cansado, mas fiel.
Gritamos números
acreditando que a luz do celular
apaga também
os rastros que deixamos em nós.
Seis, cinco…
O espumante ferve na mão,
impaciente como as promessas
que ainda nem nasceram
e já caminham para o esquecimento.
Somos especialistas em impossíveis,
andando para frente
enquanto contamos para trás.
Quatro, três…
O estômago flutua.
Não é medo —
é o susto de perceber
que o tempo só existe
porque precisamos de chão.
Dois, um…
Entre o que fomos
e o que talvez sejamos,
há um silêncio elástico,
um espaço onde tudo cabe:
até a alegria sem motivo,
só porque alguém virou a página.
Zero.
Nada explode.
O mundo permanece.
O beijo é o mesmo,
o riso repete a melodia,
mas a vontade —
ah, essa vontade insistente
de tentar outra vez —
segue jovem,
como se não soubesse
que o tempo passa.
-
Autor:
Bulaxa Kebrada (Pseudónimo (
Offline) - Publicado: 31 de dezembro de 2025 10:10
- Comentário do autor sobre o poema: A celebração da virada é o nosso jeito teimoso de tentar dar um "reboot" na alma, vestindo cores claras para ofuscar o cansaço dos dias difíceis. Depositamos nos últimos segundos de um cronômetro digital a fé absurda de que o amanhã será um território intocado, livre de nossos erros antigos. No fim das contas, os fogos não alteram a órbita do mundo, mas acendem em nós uma coragem renovada para encarar a rotina. O verdadeiro milagre não está no calendário que muda, mas na nossa capacidade insistente de querer viver tudo de novo.
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 2
- Usuários favoritos deste poema: Luana Santahelena, Sezar Kosta

Offline)
Comentários1
Luana, que texto espetacular! Você descreveu com uma precisão cirúrgica essa nossa "especialidade em impossíveis". Essa imagem de pedir desculpas ao espelho vestindo branco, enquanto a gente tenta esconder os roxos que o ano deixou na alma, é de uma verdade que dói e liberta ao mesmo tempo.
Sabe o que mais gostei? Você tirou o peso do "milagre" e colocou o foco no que realmente importa: a nossa insistência. O mundo não explode no zero, a louça continua na pia e os problemas não evaporam, mas essa nossa capacidade de "virar a página" e sentir uma alegria sem motivo é o que nos mantém sãos. O tempo pode ser um músculo cansado, como você disse, mas a nossa vontade de tentar outra vez é o que realmente faz o universo girar. Você escreveu um manual que, em vez de dar instruções falsas, nos dá o direito de sermos reais, cansados e, ainda assim, jovens por dentro.
Que em 2026 essa sua vontade continue assim: teimosa, insistente e pronta para novos tropeços e novos beijos. Que a sua escrita continue sendo esse chão onde a gente pode pisar com segurança. Um ano novo incrível para você!
Um beijo de admiração, do seu colega Sezar Kosta.
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