Luana Santahelena

Manual Breve para Acreditar no Amanhã por Dez Segundos

Dez segundos para o milagre, dizem.

O universo, vasto e distraído,

segue girando sem saber

que, aqui embaixo,

num ponto quase invisível do mapa,

decidimos que o tempo pode tropeçar.

 

Dez, nove…

Vestimos branco

como quem pede desculpa ao espelho,

tentando disfarçar

os roxos invisíveis

que outubro deixou.

 

Oito, sete…

A esperança contrai e relaxa,

músculo cansado, mas fiel.

Gritamos números

acreditando que a luz do celular

apaga também

os rastros que deixamos em nós.

 

Seis, cinco…

O espumante ferve na mão,

impaciente como as promessas

que ainda nem nasceram

e já caminham para o esquecimento.

Somos especialistas em impossíveis,

andando para frente

enquanto contamos para trás.

 

Quatro, três…

O estômago flutua.

Não é medo —

é o susto de perceber

que o tempo só existe

porque precisamos de chão.

 

Dois, um…

Entre o que fomos

e o que talvez sejamos,

há um silêncio elástico,

um espaço onde tudo cabe:

até a alegria sem motivo,

só porque alguém virou a página.

 

Zero.

Nada explode.

O mundo permanece.

O beijo é o mesmo,

o riso repete a melodia,

mas a vontade —

ah, essa vontade insistente

de tentar outra vez —

segue jovem,

como se não soubesse

que o tempo passa.