Dez segundos para o milagre, dizem.
O universo, vasto e distraído,
segue girando sem saber
que, aqui embaixo,
num ponto quase invisível do mapa,
decidimos que o tempo pode tropeçar.
Dez, nove…
Vestimos branco
como quem pede desculpa ao espelho,
tentando disfarçar
os roxos invisíveis
que outubro deixou.
Oito, sete…
A esperança contrai e relaxa,
músculo cansado, mas fiel.
Gritamos números
acreditando que a luz do celular
apaga também
os rastros que deixamos em nós.
Seis, cinco…
O espumante ferve na mão,
impaciente como as promessas
que ainda nem nasceram
e já caminham para o esquecimento.
Somos especialistas em impossíveis,
andando para frente
enquanto contamos para trás.
Quatro, três…
O estômago flutua.
Não é medo —
é o susto de perceber
que o tempo só existe
porque precisamos de chão.
Dois, um…
Entre o que fomos
e o que talvez sejamos,
há um silêncio elástico,
um espaço onde tudo cabe:
até a alegria sem motivo,
só porque alguém virou a página.
Zero.
Nada explode.
O mundo permanece.
O beijo é o mesmo,
o riso repete a melodia,
mas a vontade —
ah, essa vontade insistente
de tentar outra vez —
segue jovem,
como se não soubesse
que o tempo passa.