Tábua Verde (para quem já aprendeu a duvidar com elegância)

Gilberto Lima

Há uma idade em que o homem
não pede mais ao mundo que o entenda —
apenas que não minta.

E é então que surgem, discretas,
as tradições que não gritam:
não trazem fogos de artifício,
trazem ferramentas.

Dizem que existiu uma pedra.
Dizem que nunca foi vista.
Mas quem viveu o suficiente sabe:
há coisas que não precisam de corpo
para terem peso.

A Tábua — verde como a cor que nasce
quando o céu toca a terra —
não é relíquia:
é método.
Um lembrete de que o universo
não se comove com espetáculo,
mas responde com precisão
a quem aprende a linguagem do real.

Porque também há um tipo de oração
que não é súplica —
é alinhamento.
Um jeito de ajustar a alma
como se ajusta um instrumento fino:
com paciência, com ouvido,
com coragem de aceitar o desafino.

E vem a lei antiga,
simples como as verdades difíceis:
o alto se escreve no baixo,
e o baixo denuncia o alto.
A vida deixa pistas
em cada rotina,
em cada repetição insistente,
em cada consequência bem vestida
de “acaso”.

Aos quarenta e cinco, cinquenta, sessenta…
a pessoa já viu crenças desmoronarem
com a mesma rapidez
com que nascem modas espirituais.
Por isso o filósofo sério não pergunta:
“De onde veio?”
Ele pergunta:
“Para onde conduz?”

Se conduz à lucidez,
serve.
Se conduz ao orgulho disfarçado de certeza,
custa caro.

E há também uma outra ponte,
essa que se constrói por dentro:
nenhuma árvore ergue a copa
sem cravar raízes
no território que ela preferia negar.
A maturidade é isso:
não é luz constante —
é luz que não foge da sombra.

Hermes, Thoth, Mercúrio —
não importa o nome no altar do tempo.
O ofício é o mesmo:
ser mensageiro
entre o que é visível
e o que exige leitura.

E o símbolo, Senhor, é um professor exigente:
não entrega respostas,
entrega chaves.
A mesma chave, aliás,
que não abre pela lágrima
nem pelo argumento emocionado,
mas pela sequência correta
de consciência em ação.

Por isso, a Tábua é verde:
não é promessa de céu fácil,
nem culto da terra bruta.
É a cor de quem aprende
a misturar o ideal com o concreto
sem perder a dignidade
nem a precisão.

E, no fim, o recado é quase severo,
como devem ser os recados que salvam:
nada substitui o discernimento.
Nem a antiguidade,
nem o nome famoso,
nem a lenda bonita.

O que vale é isto:
se a frase faz o homem
mais íntegro, mais humano, mais lúcido,
ela é verdadeira o suficiente
para começar.

E quem atravessou décadas
sabe reconhecer
o que é ponte
e o que é apenas decoração.

A Tábua não pede crença.
Pede presença.
E, com isso,
o céu encontra um lugar
para pousar na terra
sem quebrar nada.

  • Autor: Gilberto Lima (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 30 de dezembro de 2025 00:31
  • Comentário do autor sobre o poema: Tábua Verde nasceu de um lugar que só a maturidade conhece: o ponto em que a gente para de pedir respostas ao mundo… e começa a exigir verdade de si mesmo. Eu não escrevi isso para “convencer” ninguém. Escrevi para lembrar — a mim e a quem lê — que certas coisas não precisam ser provadas como objeto para serem reais como caminho. Há verdades que se confirmam na prática: no caráter, no silêncio, na disciplina, no modo como a vida responde quando a gente ajusta o próprio eixo. Esse poema é minha forma de dizer: eu não me encanto mais com o barulho. Eu respeito a lucidez. E sigo trabalhando por dentro — com calma, com rigor, com elegância — porque é assim que a ponte se constrói: um pé na terra, um olhar no alto, e o discernimento como lei. Se ele tocar alguém, ótimo. Se não tocar, tudo bem também. Ele não foi feito para agradar. Foi feito para abrir portas. Gilberto Lima
  • Categoria: Reflexão
  • Visualizações: 3
  • Usuários favoritos deste poema: Nelson de Medeiros


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