CONTABILIDADE DO FINAL DE ANO

Sezar Kosta

No fim do ano,

sento-me à mesa sem números,

sem planilhas ou colunas alinhadas.

Abro apenas o espaço da memória,

onde o tempo não cobra recibos

e o saldo não cabe em moedas.

 

Começo pelos dias simples:

o riso solto na cozinha,

a conversa que atravessou a madrugada,

o café esquecido esfriando

enquanto a vida seguia quente.

Lembro também dos instantes em que o corpo pesou,

dos olhos úmidos no trânsito parado,

do silêncio que caiu pesado

quando faltou palavra e sobrou cansaço.

 

Houve tardes em que tudo parecia claro

e outras em que o pensamento andou em círculos.

A euforia me empurrou para frente,

o desânimo me ensinou a sentar.

A motivação acendeu lâmpadas,

a tristeza mostrou onde o teto vazava.

Cada emoção deixou sua marca,

como mãos diferentes tocando a mesma argila.

 

Então entendo:

a vida não se mede pelo que soma ou falta,

mas pelo quanto nos atravessa.

Não há emoção inútil,

nem dia desperdiçado por sentir demais.

O riso amplia, o choro aprofunda,

a dúvida afia o olhar.

Tudo participa do mesmo cálculo silencioso.

 

Ao final, fecho esse balanço invisível

sem buscar lucro ou prejuízo.

O resultado é outro:

se vivi o bastante para sentir,

se atravessei o ano inteiro

com o coração em movimento,

então estou em dia comigo —

e isso, nenhum número contesta.

  • Autor: Sezar Kosta (Offline Offline)
  • Publicado: 28 de dezembro de 2025 06:55
  • Comentário do autor sobre o poema: A verdadeira medida de um ciclo não se encontra em tabelas de desempenho, mas na coragem de encarar a própria sensibilidade sem filtros. As alegrias iluminam nossos dias, enquanto as dores revelam as rachaduras que precisamos consertar em nossa estrutura interna. Mesmo nos momentos de estagnação ou cansaço extremo, a alma está trabalhando para transformar a experiência bruta em sabedoria. Estar em paz não significa ter acumulado vitórias, mas reconhecer que cada batida do coração foi um passo válido na jornada. No fim, a conta fecha quando percebemos que estar plenamente vivo é o único dividendo que realmente importa.
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 4
  • Usuários favoritos deste poema: Sezar Kosta, Luana Santahelena


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