Sezar Kosta

CONTABILIDADE DO FINAL DE ANO

No fim do ano,

sento-me à mesa sem números,

sem planilhas ou colunas alinhadas.

Abro apenas o espaço da memória,

onde o tempo não cobra recibos

e o saldo não cabe em moedas.

 

Começo pelos dias simples:

o riso solto na cozinha,

a conversa que atravessou a madrugada,

o café esquecido esfriando

enquanto a vida seguia quente.

Lembro também dos instantes em que o corpo pesou,

dos olhos úmidos no trânsito parado,

do silêncio que caiu pesado

quando faltou palavra e sobrou cansaço.

 

Houve tardes em que tudo parecia claro

e outras em que o pensamento andou em círculos.

A euforia me empurrou para frente,

o desânimo me ensinou a sentar.

A motivação acendeu lâmpadas,

a tristeza mostrou onde o teto vazava.

Cada emoção deixou sua marca,

como mãos diferentes tocando a mesma argila.

 

Então entendo:

a vida não se mede pelo que soma ou falta,

mas pelo quanto nos atravessa.

Não há emoção inútil,

nem dia desperdiçado por sentir demais.

O riso amplia, o choro aprofunda,

a dúvida afia o olhar.

Tudo participa do mesmo cálculo silencioso.

 

Ao final, fecho esse balanço invisível

sem buscar lucro ou prejuízo.

O resultado é outro:

se vivi o bastante para sentir,

se atravessei o ano inteiro

com o coração em movimento,

então estou em dia comigo —

e isso, nenhum número contesta.