No fim do ano,
sento-me à mesa sem números,
sem planilhas ou colunas alinhadas.
Abro apenas o espaço da memória,
onde o tempo não cobra recibos
e o saldo não cabe em moedas.
Começo pelos dias simples:
o riso solto na cozinha,
a conversa que atravessou a madrugada,
o café esquecido esfriando
enquanto a vida seguia quente.
Lembro também dos instantes em que o corpo pesou,
dos olhos úmidos no trânsito parado,
do silêncio que caiu pesado
quando faltou palavra e sobrou cansaço.
Houve tardes em que tudo parecia claro
e outras em que o pensamento andou em círculos.
A euforia me empurrou para frente,
o desânimo me ensinou a sentar.
A motivação acendeu lâmpadas,
a tristeza mostrou onde o teto vazava.
Cada emoção deixou sua marca,
como mãos diferentes tocando a mesma argila.
Então entendo:
a vida não se mede pelo que soma ou falta,
mas pelo quanto nos atravessa.
Não há emoção inútil,
nem dia desperdiçado por sentir demais.
O riso amplia, o choro aprofunda,
a dúvida afia o olhar.
Tudo participa do mesmo cálculo silencioso.
Ao final, fecho esse balanço invisível
sem buscar lucro ou prejuízo.
O resultado é outro:
se vivi o bastante para sentir,
se atravessei o ano inteiro
com o coração em movimento,
então estou em dia comigo —
e isso, nenhum número contesta.