MILAGRE SEM RESPOSTAS
Onde eu errei?
Em que abismo deixei cair o meu nome?
Será que pequei por amor,
ou por orgulho de querer entender o divino?
Atirei pedra na Santa Cruz
ou blasfemei no instante da aflição,
quando o silêncio do céu
Pareceu zombar das minhas preces?
Condenei a ordem da cavalaria
ao desonrar seus códigos morais?
Ou usei da soberba ao desejar
um milagre feito à minha medida,
como o herege
que ousou perguntar demais ao mistério?
Não cabem respostas, apenas as minhas dúvidas.
Eu, que queimei até o último resquício de fé,
já não faço questão da indiferença.
Não quero mais viver entre as relíquias da santidade
nem nos deleites de luxo da fé.
Fiz-me alto destituído, rasguei minha bandeira,
tornei-me peregrino por entre os desertos.
Roubei um barco sem remo
e me lancei ao rio das tuas lágrimas,
sem saber se afogava a culpa
ou se buscava purificação.
As águas me reconheceram,
sussurraram o teu nome,
e em cada onda vi o reflexo
daquilo que perdi ao tentar ser puro.
Pequei contra a carne, menti ao altar.
Jurei aos sacerdotes me tornar um mouro bárbaro,
que entre espadas e cavalheiros desafiaria
os que um dia zombaram da minha boa fé.
Não esperarei misericórdia,
pois jamais usarei da mesma.
Foste para onde
quando o mundo me apontou suas flechas?
Fechaste os olhos
para não me ver sangrar?
Ou me deixaste ferido
para que eu aprendesse a suportar a fé com o corpo?
Clamei, clamei
até meus olhos secarem as lágrimas
e minha boca cerrar os nervos,
mas só vi a indiferença, o silêncio e a maldade
dos que um dia, com minha fé e espada,
Jurei lealdade.
Agora entendo, talvez:
não há milagre que responda,
nem resposta que cure.
Há apenas o espinho,
o peso do olhar que se volta ao céu
e não vê nada além do próprio cansaço.
Filho da ira, herdeiro do caos,
farei dos restos da minha crença
motivo para nunca mais adorar qualquer divino,
pois o milagre que tanto esperei
nunca do céu desceu.
E, ainda assim,
sorte a minha ter me tornado devoto de São Sebastião,
cujo corpo, atravessado,
dói e sangra, mas ainda mantém-se de pé.
Que as flechas que me ferem
também me lembrem
de quem as atirou
e de quem, com indiferença,
virou o rosto contra mim.
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Autor:
C.araujo (Pseudónimo (
Offline) - Publicado: 27 de dezembro de 2025 19:13
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 3

Offline)
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