Charles Araújo

MILAGRE SEM RESPOSTAS

 

MILAGRE SEM RESPOSTAS

 

Onde eu errei?

Em que abismo deixei cair o meu nome?

Será que pequei por amor,

ou por orgulho de querer entender o divino?

 

Atirei pedra na Santa Cruz

ou blasfemei no instante da aflição,

quando o silêncio do céu

Pareceu zombar das minhas preces?

 

Condenei a ordem da cavalaria

ao desonrar seus códigos morais?

Ou usei da soberba ao desejar

um milagre feito à minha medida,

como o herege

que ousou perguntar demais ao mistério?

 

Não cabem respostas, apenas as minhas dúvidas.

Eu, que queimei até o último resquício de fé,

já não faço questão da indiferença.

Não quero mais viver entre as relíquias da santidade

nem nos deleites de luxo da fé.

Fiz-me alto destituído, rasguei minha bandeira,

tornei-me peregrino por entre os desertos.

 

Roubei um barco sem remo

e me lancei ao rio das tuas lágrimas,

sem saber se afogava a culpa

ou se buscava purificação.

As águas me reconheceram,

sussurraram o teu nome,

e em cada onda vi o reflexo

daquilo que perdi ao tentar ser puro.

 

Pequei contra a carne, menti ao altar.

Jurei aos sacerdotes me tornar um mouro bárbaro,

que entre espadas e cavalheiros desafiaria

os que um dia zombaram da minha boa fé.

Não esperarei misericórdia,

pois jamais usarei da mesma.

 

Foste para onde

quando o mundo me apontou suas flechas?

Fechaste os olhos

para não me ver sangrar?

Ou me deixaste ferido

para que eu aprendesse a suportar a fé com o corpo?

 

Clamei, clamei

até meus olhos secarem as lágrimas

e minha boca cerrar os nervos,

mas só vi a indiferença, o silêncio e a maldade

dos que um dia, com minha fé e espada,

Jurei lealdade.

 

Agora entendo, talvez:

não há milagre que responda,

nem resposta que cure.

Há apenas o espinho,

o peso do olhar que se volta ao céu

e não vê nada além do próprio cansaço.

 

Filho da ira, herdeiro do caos,

farei dos restos da minha crença

motivo para nunca mais adorar qualquer divino,

pois o milagre que tanto esperei

nunca do céu desceu.

 

E, ainda assim,

sorte a minha ter me tornado devoto de São Sebastião,

cujo corpo, atravessado,

dói e sangra, mas ainda mantém-se de pé.

Que as flechas que me ferem

também me lembrem

de quem as atirou

e de quem, com indiferença,

virou o rosto contra mim.