O ACORDO SILENCIOSO COM OS DIAS

Sezar Kosta

No fim do calendário,

quando o ano já anda mancando

e sobra mais silêncio do que pressa,

sentei-me comigo mesmo

como quem propõe um trato sem testemunhas.

 

Olhei ao redor.

A vida não estava perfeita —

mas estava inteira.

Havia luz entrando pela fresta da manhã,

o cheiro do café subindo devagar,

e um coração ainda disposto

a bater apesar de tudo.

 

Lembrei dos dias fáceis,

esses que passam leves

e quase não deixam marca.

Mas também recordei os outros,

os dias de pedra,

quando a dor parecia definitiva

e a esperança, um idioma esquecido.

 

Curiosamente, foram esses

que me ensinaram a ficar.

Cada queda deixou um mapa invisível

do que não repetir.

Cada perda abriu um espaço

onde algo mais verdadeiro

pôde nascer depois.

 

Percebi então que a beleza da vida

não está em escapar da dor,

mas em atravessá-la

sem fechar os olhos.

Há aprendizados que só chegam

vestidos de tempestade.

 

Assim, fiz um acordo simples com o tempo:

agradecer pelo que sorri

e pelo que fere.

Pelo que veio fácil

e pelo que exigiu coragem.

 

Porque, no fundo, viver é isso —

reconhecer que até os dias nublados

estavam, à sua maneira,

me ensinando a ver melhor

quando o sol voltasse.

  • Autor: Sezar Kosta (Offline Offline)
  • Publicado: 25 de dezembro de 2025 22:34
  • Comentário do autor sobre o poema: Ao encarar o fim de mais uma etapa, percebo que estar bem não significa ter uma trajetória impecável, mas sim carregar uma história completa. As crises que pareciam intransponíveis tornaram-se os filtros que hoje me permitem enxergar o que realmente importa. Substituí o desejo de evitar o caos pela habilidade de caminhar sob a chuva sem perder o rumo. No final das contas, as feridas não foram erros de percurso, mas o rascunho necessário para que a minha versão atual pudesse finalmente fazer as pazes com o relógio.
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 8
  • Usuários favoritos deste poema: Sezar Kosta, Luana Santahelena


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