Sezar Kosta

O ACORDO SILENCIOSO COM OS DIAS

No fim do calendário,

quando o ano já anda mancando

e sobra mais silêncio do que pressa,

sentei-me comigo mesmo

como quem propõe um trato sem testemunhas.

 

Olhei ao redor.

A vida não estava perfeita —

mas estava inteira.

Havia luz entrando pela fresta da manhã,

o cheiro do café subindo devagar,

e um coração ainda disposto

a bater apesar de tudo.

 

Lembrei dos dias fáceis,

esses que passam leves

e quase não deixam marca.

Mas também recordei os outros,

os dias de pedra,

quando a dor parecia definitiva

e a esperança, um idioma esquecido.

 

Curiosamente, foram esses

que me ensinaram a ficar.

Cada queda deixou um mapa invisível

do que não repetir.

Cada perda abriu um espaço

onde algo mais verdadeiro

pôde nascer depois.

 

Percebi então que a beleza da vida

não está em escapar da dor,

mas em atravessá-la

sem fechar os olhos.

Há aprendizados que só chegam

vestidos de tempestade.

 

Assim, fiz um acordo simples com o tempo:

agradecer pelo que sorri

e pelo que fere.

Pelo que veio fácil

e pelo que exigiu coragem.

 

Porque, no fundo, viver é isso —

reconhecer que até os dias nublados

estavam, à sua maneira,

me ensinando a ver melhor

quando o sol voltasse.