No fim do calendário,
quando o ano já anda mancando
e sobra mais silêncio do que pressa,
sentei-me comigo mesmo
como quem propõe um trato sem testemunhas.
Olhei ao redor.
A vida não estava perfeita —
mas estava inteira.
Havia luz entrando pela fresta da manhã,
o cheiro do café subindo devagar,
e um coração ainda disposto
a bater apesar de tudo.
Lembrei dos dias fáceis,
esses que passam leves
e quase não deixam marca.
Mas também recordei os outros,
os dias de pedra,
quando a dor parecia definitiva
e a esperança, um idioma esquecido.
Curiosamente, foram esses
que me ensinaram a ficar.
Cada queda deixou um mapa invisível
do que não repetir.
Cada perda abriu um espaço
onde algo mais verdadeiro
pôde nascer depois.
Percebi então que a beleza da vida
não está em escapar da dor,
mas em atravessá-la
sem fechar os olhos.
Há aprendizados que só chegam
vestidos de tempestade.
Assim, fiz um acordo simples com o tempo:
agradecer pelo que sorri
e pelo que fere.
Pelo que veio fácil
e pelo que exigiu coragem.
Porque, no fundo, viver é isso —
reconhecer que até os dias nublados
estavam, à sua maneira,
me ensinando a ver melhor
quando o sol voltasse.