A DEVASSA DA CORTE

Nelson de Medeiros

A DEVASSA DA CORTE

 

                                                            Como já sabemos Adamastor era um cara simples, às vezes até simplório, tinha a mania de acreditar nas pessoas e gostava de escrever e fazer poesias. Errava bastante, mas cada vez mais se esforçava para sempre se pautar pelo vernáculo correto e o conhecimento da história do Brasil, pais em que acreditava, por intuição especial, ser a futura Pátria do Amor Maior.

 

                                                           Outro dia Adamastor, simplório como sempre, estava buscando conhecimentos na internet e viu um texto onde o autor explicava com muita propriedade alguns erros de português que a gente comete vez por outra. Errar é humano, certamente, e a correção por quem entende é sempre bem vinda. Mas sinceramente, existem coisas que superam qualquer entendimento; erros que mesmo que se queira, nem com a melhor das boas vontades se consegue corrigir.  Nem Adamastor, em sua credulidade angelical.

 

                                                           Coincidência ou não, remexendo em seus escritos eletrônicos acabara de ler em seu correio uma relação de erros que, segundo o seu informante – que era fonte confiável- foram cometidos nas provas do Enem capixaba.  Viu que eram erros tão grosseiros que apesar de chegarem às raias do riso incontido abriu-lhe a curiosidade de encontrar os autores para saber de onde tiraram tantas ideias malucas. Preferiu, então, deixando o respeito de lado comentá-los, como faz, já que tais respostas, entre outras, deu-lhe inspiração.

                                                          

                                                           Das “pérolas” que recebera selecionou algumas, mas em especial uma que tratava de um dos lugares mais lindos e mais nostálgicos que já conhecera: Ouro Preto, em Minas Gerais. A antiga Vila Rica, capital da então província. Não tratava diretamente da cidade, mas de fato ocorrido lá, nos idos dos anos setecentos.  Falava de Marília de Dirceu, personagem que já fora tema de alguns líricos poemas e sonetos de amor que fizera.

 

                                                           Uma historia verdadeira paixão inigualável entre Dirceu, pseudônimo do poeta Thomas Antonio Gonzaga e Maria Dorotéia Joaquina de Seixas, a Marília, nobre senhorinha de família abastada que, em obediência às tradições familiares da época fora proibida de namorar o poeta, homem afeito às letras, mas pobre e sem qualquer descendência nobre. Na época isto era crime contra a dignidade aristocrática.

                                                          

                                                           Esta paixão avassaladora foi cantada e imortalizada nas Liras do poeta endereçadas a sua musa que até hoje é conhecida como “Marília de Dirceu”. Adamastor, sempre é bom lembrar, embora meio tímido e simplório sempre fora um eterno romântico e sonhador de um mundo melhor, mais igual.

                                                           Pois é. E ai, justo quando acabara de ler as Liras de Dirceu aparece o raio daquele correio a lhe informar que fora perguntado na prova o seguinte: “O QUE FOI A DEVASSA NA INCONFIDÊNCIA MINEIRA?”. A resposta assustadora fora que: “A devassa da Inconfidência Mineira foi Marília de Dirceu, a amante de Tiradentes.”. 

                                                           Que disparate, pensou estarrecido. A devassa fora um rito processual judicial criado nas Ordenações do Reino de Portugal para a colônia brasileira. Era puramente criminal e totalmente inquisitorial, isto é, não assegurava o direito de defesa e de contraditório aos inquiridos que quase sempre eram condenados.

 

                                                           Para Adamastor, profundo conhecedor que era das histórias da Inconfidência Mineira, foi grande a decepção. Logo ele que sempre admirara Marília, como o retrato fiel do amor puro e romântico jamais poderia imaginar que ela fora “amante do Tiradentes”. Meu Deus, como Dirceu pudera cantar aquele amor em verso e prosa para uma mulher devassa?

 

                                                            Mas, a verdade sempre vem em boa hora. Adamastor nunca havia entendido direito por que razão existe a ganância pelo poder e jamais se conformara que o Tiradentes fora enforcado por querer apenas justiça e igualdade. Nunca aprendera em escola nenhuma por que se cometem vilanias que tais até hoje, embora não se enforque ninguém em praça pública.

 

                                                            Ah! Mas, seu conterrâneo abriu-lhe os olhos. Claro! Quem mandou enforcar o Tiradentes foi Dirceu, não pelo poder, mas por vingança, e para acabar com a farra. E por que não? Tudo pode ter acontecido como escreveu outro maluco: O Brasil não teve mulheres presidentes, mas várias primeiras-damas foram do sexo feminino.”. 

 

                                                          Ora se a Marília era devassa e amante de Tiradentes quem garante que algumas dessas primas donas não foram “travecos”?

 

Nelson De Medeiros

 

 

 

 

 

 

 

 

  • Autor: Nelson de Medeiros (Offline Offline)
  • Publicado: 4 de setembro de 2020 10:07
  • Comentário do autor sobre o poema: Do livro INSTANTES DA VIDA REAL, do autor.
  • Categoria: Conto
  • Visualizações: 39
Comentários +

Comentários2

  • Maria dorta

    Poeta de escol,também menestrel dos contos. Muitos talentos a ganharem meus aplausos!

  • Edla Marinho

    Boa noite, poeta.
    A história da Devassa é conhecida. Mas a estória da relação de Marília com Tiradentes contada nesse conto, onde vamos conhecendo Adamastor, ficou muito interessante e engraçado. O epílogo, sensacional... Será??
    Meu abraço.



Para poder comentar e avaliar este poema, deve estar registrado. Registrar aqui ou se você já está registrado, login aqui.