Manual Doméstico para Domar o Desejo (com Café e Riso)

Luana Santahelena

Desejar é fácil —

aprendi cedo,

como quem aprende a respirar

ou a sonhar acordada no ônibus.

 

Difícil é convencer o saldo bancário

de que o desejo

é uma prioridade existencial,

dessas que pedem colo

e parcelamento em doze vezes.

 

Quero ser zen,

sentar em posição de lótus

no tapete da sala,

mas o vizinho liga a furadeira

às sete da manhã

e ilumina meu chakra da impaciência

com concreto armado.

 

Respiro.

Ou finjo.

A paz interior também cochila.

 

Quero ser dona do dinheiro,

mas ele se comporta como um gato arisco:

some quando mais preciso,

derruba coisas importantes da mesa

e só volta quando quer,

ronronando juros baixos

e promessas vagas.

 

Dialogo comigo mesma no espelho:

— calma, menina,

a vida não é uma planilha.

Ela responde torto,

ri de lado

e me oferece um boleto

como quem oferece flores.

 

No meio do caos,

descubro o segredo mínimo:

rir.

Rir do desejo exagerado,

do zen interrompido,

do gato financeiro que não me obedece.

 

Porque, se eu levar tudo a sério demais,

o único desejo que sobra

— esse sim, urgente —

é o de um feriado eterno,

onde o tempo tira folga,

o dinheiro dorme

e a furadeira, por milagre,

aprende a meditar.

  • Autor: Bulaxa Kebrada (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 19 de dezembro de 2025 23:18
  • Comentário do autor sobre o poema: A vida adulta é esse exercício diário de equilibrar sonhos e boletos, silêncio interno e ruídos do mundo. Buscamos calma, mas a realidade insiste em nos despertar antes do tempo. Entre desejos, limites e frustrações pequenas, aprendemos que nem tudo se resolve com controle. Às vezes, rir é a forma mais lúcida de seguir adiante.
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 2
  • Usuários favoritos deste poema: Luana Santahelena


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