Luana Santahelena

Manual Doméstico para Domar o Desejo (com Café e Riso)

Desejar é fácil —

aprendi cedo,

como quem aprende a respirar

ou a sonhar acordada no ônibus.

 

Difícil é convencer o saldo bancário

de que o desejo

é uma prioridade existencial,

dessas que pedem colo

e parcelamento em doze vezes.

 

Quero ser zen,

sentar em posição de lótus

no tapete da sala,

mas o vizinho liga a furadeira

às sete da manhã

e ilumina meu chakra da impaciência

com concreto armado.

 

Respiro.

Ou finjo.

A paz interior também cochila.

 

Quero ser dona do dinheiro,

mas ele se comporta como um gato arisco:

some quando mais preciso,

derruba coisas importantes da mesa

e só volta quando quer,

ronronando juros baixos

e promessas vagas.

 

Dialogo comigo mesma no espelho:

— calma, menina,

a vida não é uma planilha.

Ela responde torto,

ri de lado

e me oferece um boleto

como quem oferece flores.

 

No meio do caos,

descubro o segredo mínimo:

rir.

Rir do desejo exagerado,

do zen interrompido,

do gato financeiro que não me obedece.

 

Porque, se eu levar tudo a sério demais,

o único desejo que sobra

— esse sim, urgente —

é o de um feriado eterno,

onde o tempo tira folga,

o dinheiro dorme

e a furadeira, por milagre,

aprende a meditar.