Manual Doméstico para Conversar com o Destino

Luana Santahelena

Acreditar em amor predestinado é curioso,

penso enquanto erro pela nonagésima nona vez

o nome da rua,

o tom da mensagem,

o horário do coração.

 

Digo que foi o destino

— ele, sempre disponível para levar bronca —

como um vaso quebrado que jura inocência

no meio da sala.

Mas quando acerto,

quando o riso encaixa

e o silêncio não pesa,

aponto para o céu com ar de especialista:

*eu sabia*.

 

O destino me observa da poltrona,

cruza as pernas,

não confirma nem desmente.

Ele sabe que escolhi no impulso,

com a pressa de quem tem medo

de perder o próximo trem

ou o próximo amor

(às vezes é o mesmo).

 

Errar noventa e nove vezes

não me parece desperdício.

É treino.

É ensaio geral da alma

para aquele instante em que tudo

coincidentemente

funciona.

 

Talvez o amor predestinado

seja apenas isso:

o raro momento em que o acaso

aceita levar crédito,

e eu, vaidosa e aliviada,

finjo que sempre confiei no plano.

 

No fundo,

continuo escolhendo às cegas,

rindo do paradoxo,

agradecendo ao destino

como quem agradece à sorte

por não atrapalhar

quando, por acaso,

eu acerto.

  • Autor: Bulaxa Kebrada (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 13 de dezembro de 2025 21:25
  • Comentário do autor sobre o poema: Acreditar em amor predestinado é curioso: a gente erra noventa e nove vezes, mas quando acerta, diz “eu sabia!”. O destino, coitado, vive levando a culpa das nossas escolhas impulsivas… mas quando dá certo, a gente agradece como se ele tivesse planejado tudo sozinho.
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 5
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