Acreditar em amor predestinado é curioso,
penso enquanto erro pela nonagésima nona vez
o nome da rua,
o tom da mensagem,
o horário do coração.
Digo que foi o destino
— ele, sempre disponível para levar bronca —
como um vaso quebrado que jura inocência
no meio da sala.
Mas quando acerto,
quando o riso encaixa
e o silêncio não pesa,
aponto para o céu com ar de especialista:
*eu sabia*.
O destino me observa da poltrona,
cruza as pernas,
não confirma nem desmente.
Ele sabe que escolhi no impulso,
com a pressa de quem tem medo
de perder o próximo trem
ou o próximo amor
(às vezes é o mesmo).
Errar noventa e nove vezes
não me parece desperdício.
É treino.
É ensaio geral da alma
para aquele instante em que tudo
coincidentemente
funciona.
Talvez o amor predestinado
seja apenas isso:
o raro momento em que o acaso
aceita levar crédito,
e eu, vaidosa e aliviada,
finjo que sempre confiei no plano.
No fundo,
continuo escolhendo às cegas,
rindo do paradoxo,
agradecendo ao destino
como quem agradece à sorte
por não atrapalhar
quando, por acaso,
eu acerto.