Os olhos do delírio...

Monet Carmo

Há um espelho dentro do espelho...
onde o olhar, limpo como um rio em calma,
inventa tempestades que ninguém confessa.

O corpo finge inocência,
mas cada fibra deseja o abismo...
aquele que devora o sagrado,
que arranca a pele da moral
e a estende sobre a cama dos instintos.

Entre o suspiro e o pecado,
há um gozo que não é físico,
é febre, uma vertigem que rasga o ser,
onde o belo e o repulsivo dançam nus.

E então... há esses olhos...
tão puros que parecem orar.
Mas quando me tocam,
sinto que alguma divindade se curva,
rendida ao que não pode dizer.
Olhos que, ao mesmo tempo, abençoam e corrompem.
São altares onde o sagrado e o carnal se ajoelham juntos,
respirando o mesmo ar,
trocando o mesmo segredo.

Há neles uma inocência que arde.
Um brilho que não é de luz, é de fogo contido.

E eu me pergunto, em silêncio:
será que dentro dessa pureza mora o mesmo inferno que me queima?
será que por trás desse semblante calmo
há imagens que nunca deveriam nascer da alma de um santo?

Porque quando esses olhos me encaram,
não vejo apenas o reflexo...
vejo o convite.
Vejo o abismo sorrindo com rosto de anjo,
e percebo que talvez o divino sempre tenha sido isso:
o instante em que o desejo ultrapassa a oração,
e o corpo, ainda ajoelhado, aprende a pecar em nome da luz.

  • Autor: Monet Carmo (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 4 de novembro de 2025 19:16
  • Comentário do autor sobre o poema: O poema fala da fronteira entre adoração e profanação. Do momento em que o olhar puro se torna pecado, não por maldade, mas porque a pureza também deseja. É sobre esse lugar onde o corpo reza e o desejo responde.
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 8
  • Usuários favoritos deste poema: Arthur Santos
Comentários +

Comentários2

  • Sergio Neves

    SERGIO NEVES - ...minha amiga,...profundo! ...versaste sobre o tema com uma sensibilidade e competência poética de encantar...,...nessa tua toda reflexão a respeito ditas a verdade nua e crua com excelência...// (...aqui vem bem a calhar o que o Alfredinho, vizinho meu, sujeito mui digno e responsável, sempre está a dizer: -"...a carne é fraca!"...) // ...a mim tu foste uma mui boa surprêsa por aqui...,...gostei! ...muito! /// Meu carinho.

    • Monet Carmo

      Ahh que coisa boa, quando recebo um comentario que pulsa na mesma frequencia do texto... Obrigada!!! é um grande exercicio que tenho feito nos ultimos anos sobre Geoge Bataille... E eu tenho gostado muito do que tenho conseguido atingir com esse estudo! comentarios assi,... Obrigada mil vezes!

    • Arthur Santos

      Gosto desta página 3 🙂
      Perguntas sem resposta porque não se explica o amoa, ele apenas acontece.
      Belo poema Poetisa Carmo.

      • Monet Carmo

        Exato Arthur! Escrevo a página 03 totalmente inédita tbm... que bom que não estou decepcionando... ?



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