Monet Carmo

Os olhos do delírio...

Há um espelho dentro do espelho...
onde o olhar, limpo como um rio em calma,
inventa tempestades que ninguém confessa.

O corpo finge inocência,
mas cada fibra deseja o abismo...
aquele que devora o sagrado,
que arranca a pele da moral
e a estende sobre a cama dos instintos.

Entre o suspiro e o pecado,
há um gozo que não é físico,
é febre, uma vertigem que rasga o ser,
onde o belo e o repulsivo dançam nus.

E então... há esses olhos...
tão puros que parecem orar.
Mas quando me tocam,
sinto que alguma divindade se curva,
rendida ao que não pode dizer.
Olhos que, ao mesmo tempo, abençoam e corrompem.
São altares onde o sagrado e o carnal se ajoelham juntos,
respirando o mesmo ar,
trocando o mesmo segredo.

Há neles uma inocência que arde.
Um brilho que não é de luz, é de fogo contido.

E eu me pergunto, em silêncio:
será que dentro dessa pureza mora o mesmo inferno que me queima?
será que por trás desse semblante calmo
há imagens que nunca deveriam nascer da alma de um santo?

Porque quando esses olhos me encaram,
não vejo apenas o reflexo...
vejo o convite.
Vejo o abismo sorrindo com rosto de anjo,
e percebo que talvez o divino sempre tenha sido isso:
o instante em que o desejo ultrapassa a oração,
e o corpo, ainda ajoelhado, aprende a pecar em nome da luz.