A pior saudade

Luana Santahelena

A pior saudade não grita —

sussurra dentro da ossada dos dias,

um eco que não encontra paredes,

porque a casa que a abrigava virou vento.

 

É como tentar abraçar a fumaça

de uma vela que se apagou sozinha,

ou escrever uma carta

para um endereço que o tempo derrubou.

 

Há saudades que esperam retorno;

esta não.

Ela se alimenta do próprio vazio,

rumina lembranças até o pó

e se deita, faminta, no colo do nunca mais.

 

Recordar é tocar um retrato

que já não reconhece o rosto:

a cor fugiu, o olhar se desfez,

mas a moldura insiste em doer.

 

O coração, esse arqueólogo teimoso,

escava ruínas que o amor deixou,

procura vestígios de uma voz

que o silêncio guardou.

 

Ah, se ao menos houvesse corpo,

ou sombra, ou qualquer sopro de “ainda”!

Mas resta só o nada vestido de memória,

um perfume sem flor,

um nome que já não responde.

 

A pior saudade é essa:

a que sobrevive ao motivo.

Um luto que esqueceu o morto,

um fogo que queima sem lenha,

um amor que persiste —

feito eco, dentro do tempo que ficou.

  • Autor: Bulaxa Kebrada (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 2 de novembro de 2025 12:08
  • Comentário do autor sobre o poema: A pior saudade é aquela que não podemos matar, porque o que a causou já virou pó de tempo. É querer regar uma flor que o vento levou, é procurar o som de uma voz que o silêncio guardou. Mas, se olharmos com calma, veremos: a ausência também floresce. Ela ensina o amor a existir sem corpo — e nos lembra que alguns encontros continuam, mesmo depois do fim.
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 16
  • Usuários favoritos deste poema: Luana Santahelena, Arthur Santos, Sezar Kosta
Comentários +

Comentários2



Para poder comentar e avaliar este poema, deve estar registrado. Registrar aqui ou se você já está registrado, login aqui.