A pior saudade não grita —
sussurra dentro da ossada dos dias,
um eco que não encontra paredes,
porque a casa que a abrigava virou vento.
É como tentar abraçar a fumaça
de uma vela que se apagou sozinha,
ou escrever uma carta
para um endereço que o tempo derrubou.
Há saudades que esperam retorno;
esta não.
Ela se alimenta do próprio vazio,
rumina lembranças até o pó
e se deita, faminta, no colo do nunca mais.
Recordar é tocar um retrato
que já não reconhece o rosto:
a cor fugiu, o olhar se desfez,
mas a moldura insiste em doer.
O coração, esse arqueólogo teimoso,
escava ruínas que o amor deixou,
procura vestígios de uma voz
que o silêncio guardou.
Ah, se ao menos houvesse corpo,
ou sombra, ou qualquer sopro de “ainda”!
Mas resta só o nada vestido de memória,
um perfume sem flor,
um nome que já não responde.
A pior saudade é essa:
a que sobrevive ao motivo.
Um luto que esqueceu o morto,
um fogo que queima sem lenha,
um amor que persiste —
feito eco, dentro do tempo que ficou.