Acordar cedo é um castigo que ninguém contou na infância.
Lá, o sol era um convite.
Hoje, é uma lâmpada cruel no teto da responsabilidade.
Liberdade tem hora pra acordar?
Se tem, a minha vive perdendo o despertador.
Eu, que jurei jamais viver de planilhas,
agora negocio sonhos com o botão "soneca",
e parcelamentos com o calendário.
Ser adulta é isso?
Tomar café com pressa e fingir que é autonomia?
Resolver boletos como quem resolve mistérios existenciais?
("Por que trabalho para viver, se só vivo para trabalhar?")
E ainda assim, amar o caos com certo afeto.
Porque ele tem cheiro de café preto
e gosto de pão amanhecido com manteiga derretida.
Sinto saudades da liberdade em tempo integral,
aquele turno infinito de brincar de existir.
Hoje, sou uma funcionária da vida,
com crachá pendurado no peito e alma em home office.
Liberdade, minha cara,
você ficou nos fins de semana —
e mesmo assim, vem cansada, de pijama,
com olheiras e vontade de dormir mais.
Será que Sartre acordava às seis?
Será que Camus enfrentava o trânsito
rumo à própria essência?
Às vezes, penso que ser livre
é conseguir dormir até tarde
sem ser assombrada por notificações,
culpas, ou listas de compras.
Mas sigo, com agenda na mão e rímel borrado,
sonhando com um mundo
onde a liberdade não toque despertador.
E se a vida for mesmo esse eterno bater ponto na existência,
que ao menos me pague em poesia
e em manhãs de domingo com gosto de céu.
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Autor:
Bulaxa Kebrada (Pseudónimo (
Offline)
- Publicado: 17 de outubro de 2025 09:10
- Comentário do autor sobre o poema: A infância era uma colônia de férias eterna; a vida adulta é um reality show de sobrevivência onde o maior mistério é: "Onde enfiei a chave de casa?". Prometeram-nos autonomia, e cá estamos: tomando decisões cruciais como qual boleto pagar primeiro (um verdadeiro dilema socrático). O botão "soneca" é meu único ato de rebeldia filosófica. Resta-me rir, porque chorar atrasa a rotina. E, cá entre nós, o caos com cheiro de café tem uma vibe mais organizada que a minha vida amorosa.
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 4
- Usuários favoritos deste poema: Luana Santahelena, Sezar Kosta
Comentários1
Luana, minha amiga, o seu poema é uma sacada genial!
A gente se perde nessa mania de que a liberdade é um bicho que precisa de despertador. E não é. Ela é feito o sol da infância: só existe quando a gente não olha para o relógio.
Ser adulto é isso mesmo: um eterno negócio com o botão "soneca" e uma eterna ilusão de que estamos no comando. Você jura que odeia as planilhas, mas no fundo, o caos com cheiro de café preto é a sua poesia. É onde a vida, desgrenhada e com rímel borrado, resolve se manifestar.
A liberdade, querida, não tem hora. Ela só aparece quando você aceita que o baile da existência é esse mesmo, de bater ponto. E se não puder dormir até tarde, que o pagamento venha, sim, na forma de um poema e num domingo que dure a semana inteira.
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