Luana Santahelena

Liberdade Tem Hora pra Acordar?

Acordar cedo é um castigo que ninguém contou na infância.

Lá, o sol era um convite.

Hoje, é uma lâmpada cruel no teto da responsabilidade.

 

Liberdade tem hora pra acordar?

Se tem, a minha vive perdendo o despertador.

 

Eu, que jurei jamais viver de planilhas,

agora negocio sonhos com o botão \"soneca\",

e parcelamentos com o calendário.

 

Ser adulta é isso?

Tomar café com pressa e fingir que é autonomia?

Resolver boletos como quem resolve mistérios existenciais?

(\"Por que trabalho para viver, se só vivo para trabalhar?\")

 

E ainda assim, amar o caos com certo afeto.

Porque ele tem cheiro de café preto

e gosto de pão amanhecido com manteiga derretida.

 

Sinto saudades da liberdade em tempo integral,

aquele turno infinito de brincar de existir.

Hoje, sou uma funcionária da vida,

com crachá pendurado no peito e alma em home office.

 

Liberdade, minha cara,

você ficou nos fins de semana —

e mesmo assim, vem cansada, de pijama,

com olheiras e vontade de dormir mais.

 

Será que Sartre acordava às seis?

Será que Camus enfrentava o trânsito

rumo à própria essência?

 

Às vezes, penso que ser livre

é conseguir dormir até tarde

sem ser assombrada por notificações,

culpas, ou listas de compras.

 

Mas sigo, com agenda na mão e rímel borrado,

sonhando com um mundo

onde a liberdade não toque despertador.

 

E se a vida for mesmo esse eterno bater ponto na existência,

que ao menos me pague em poesia

e em manhãs de domingo com gosto de céu.