Do artífice ao fantasma

Anna Gonçalves

Ouvi de um versista... desses que sucateiam até as pálpebras...  Sem deixar nenhum rastro.
Que ao registrar seu canto, dele se desmemória..
E que hoje, nem precisa mais de tinta, apaga e reescreve a cicatriz de primeira.
E o instante, outrora cáustico, na pátina daquele mesmo verso se desfaz e refaz.

E confessa, sem pudor algum, que adultera o seu próprio vivido,
insere névoa onde houve apenas bruma,
troca o gosto amargo da despedida
pelo sabor de uma fruta jamais colhida.

E eu até que pondero, aqui e lá.. [Que espécie de alquimista é este]
que no frio do quarto, se abraça com o calor do que ele mesmo forjou?
Que assina pactos com o destino
e se embriaga do vapor da lareira que acendeu com folhas secas?

E o mesmo, não registra a ferida, e sim o bordado
que a oculta um arabesco de "e se" e "quase".
Suas vivências, passadas pela prova do sonho,
nem tanto mentiras, nem tanto verdades... 
Mas são outras vidas, paralelas, que um dos pulmões não respiram os mesmos cenário...

É um funâmbulo sobre  ressentimento,
equilibrando-se com a vara dourada da imaginação e sua cara pintada de palhaço.
E fica já não é mais a memória do golpe,
nem o brilho do acontecimento real daquele caso,
caiu como o equilibrista, e com o tempo o mesmo, caiu na armadilha das suas misturas dos fatos.

  • Autor: Anna Gonçalves (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 15 de outubro de 2025 00:47
  • Categoria: Conto
  • Visualizações: 9
  • Usuários favoritos deste poema: JT.
Comentários +

Comentários2

  • JT.

    Eita, taxativa, adorei o seu conto, apesar de tremer na pele por me lembrar.
    Que também eu sou um fingidor.
    Prazer.
    JT

  • JT.

    Bravíssimo poetisa.
    Você com esse seu conto, pegou me pelo pé.
    E a única saída para me defender e de lhe taxar de Rainha da insônia.
    Pelo horário que o poema foi editado.
    Risos.
    Ficar bem.
    JT

    • Anna Gonçalves

      Que exagero kkkkkkk, mas agradeço imensamente pelas palavras. Fernando pessoa já dizia em sua poesia "Autopsicografia", que o poeta é um fingidor. Abraço!
      Att,
      Ana.



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