Anna Gonçalves

Do artífice ao fantasma

Ouvi de um versista... desses que sucateiam até as pálpebras...  Sem deixar nenhum rastro.
Que ao registrar seu canto, dele se desmemória..
E que hoje, nem precisa mais de tinta, apaga e reescreve a cicatriz de primeira.
E o instante, outrora cáustico, na pátina daquele mesmo verso se desfaz e refaz.

E confessa, sem pudor algum, que adultera o seu próprio vivido,
insere névoa onde houve apenas bruma,
troca o gosto amargo da despedida
pelo sabor de uma fruta jamais colhida.

E eu até que pondero, aqui e lá.. [Que espécie de alquimista é este]
que no frio do quarto, se abraça com o calor do que ele mesmo forjou?
Que assina pactos com o destino
e se embriaga do vapor da lareira que acendeu com folhas secas?

E o mesmo, não registra a ferida, e sim o bordado
que a oculta um arabesco de \"e se\" e \"quase\".
Suas vivências, passadas pela prova do sonho,
nem tanto mentiras, nem tanto verdades... 
Mas são outras vidas, paralelas, que um dos pulmões não respiram os mesmos cenário...

É um funâmbulo sobre  ressentimento,
equilibrando-se com a vara dourada da imaginação e sua cara pintada de palhaço.
E fica já não é mais a memória do golpe,
nem o brilho do acontecimento real daquele caso,
caiu como o equilibrista, e com o tempo o mesmo, caiu na armadilha das suas misturas dos fatos.