A vida, disseram,
era como aquele estojo novinho da primeira série:
cheio de lápis apontados,
nenhuma ponta quebrada,
e uma fé inabalável de que a cor lilás era a mais madura de todas.
No começo, desenhei arco-íris,
com nuvens em forma de gato e casinhas flutuantes —
porque chão era coisa de adulto sério.
E fui feliz, por umas três semanas.
Mas aí...
veio o tempo.
E o tempo, veja bem, tem o péssimo hábito
de se achar artista.
Ele derramou café na minha aquarela,
colou conta de luz no meu caderno,
e fez dos meus traços certeiros
uma bagunça digna de museu moderno.
— Isso é arte ou acidente?
perguntou a senhora da padaria,
vendo meu rosto em segunda-feira.
Sorri com a boca torta e respondi:
"Depende da moldura."
Aprendi a rir dos borrões,
a fazer nuvem com mancha de sorvete,
e a transformar lágrima em ponto de exclamação.
(Confesso que nem sempre funciona,
mas às vezes é tudo que salva a página.)
Hoje, ando com um pincel na bolsa
e um tubo de tinta chamado “quase”.
Pinto futuros no guardanapo,
borrifo esperança no espelho,
e quando erro a perspectiva,
dou um nome francês pro desenho e finjo que foi intencional.
Sim, meus traços vacilam.
O lilás já acabou há tempos.
Mas descobri que coragem também se compra em papelaria —
só que vem no frasco da reinvenção.
E se tudo desandar,
me lembro:
não deixe o pincel cair.
(E aproveita e compra mais tinta,
que viver dá trabalho…
mas, com cor, sempre fica mais bonito.)
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Autor:
Bulaxa Kebrada (Pseudónimo (
Offline)
- Publicado: 12 de outubro de 2025 22:45
- Comentário do autor sobre o poema: A vida começa toda colorida, como lápis novo na escola. Depois vem o tempo, o café derramado, os erros de traço... e vira arte abstrata. Mas tá tudo bem — o importante é não deixar o pincel cair (e lembrar de comprar mais tinta quando faltar coragem).
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 6
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Comentários1
Muito bom, é exatamente o olhar do Pequeno Príncipe que faz a vida, com um pouco de arte, quase esquecida, valer à pena. Parabéns pelo poema!
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