A vida, disseram,
era como aquele estojo novinho da primeira série:
cheio de lápis apontados,
nenhuma ponta quebrada,
e uma fé inabalável de que a cor lilás era a mais madura de todas.
No começo, desenhei arco-íris,
com nuvens em forma de gato e casinhas flutuantes —
porque chão era coisa de adulto sério.
E fui feliz, por umas três semanas.
Mas aí...
veio o tempo.
E o tempo, veja bem, tem o péssimo hábito
de se achar artista.
Ele derramou café na minha aquarela,
colou conta de luz no meu caderno,
e fez dos meus traços certeiros
uma bagunça digna de museu moderno.
— Isso é arte ou acidente?
perguntou a senhora da padaria,
vendo meu rosto em segunda-feira.
Sorri com a boca torta e respondi:
\"Depende da moldura.\"
Aprendi a rir dos borrões,
a fazer nuvem com mancha de sorvete,
e a transformar lágrima em ponto de exclamação.
(Confesso que nem sempre funciona,
mas às vezes é tudo que salva a página.)
Hoje, ando com um pincel na bolsa
e um tubo de tinta chamado “quase”.
Pinto futuros no guardanapo,
borrifo esperança no espelho,
e quando erro a perspectiva,
dou um nome francês pro desenho e finjo que foi intencional.
Sim, meus traços vacilam.
O lilás já acabou há tempos.
Mas descobri que coragem também se compra em papelaria —
só que vem no frasco da reinvenção.
E se tudo desandar,
me lembro:
não deixe o pincel cair.
(E aproveita e compra mais tinta,
que viver dá trabalho…
mas, com cor, sempre fica mais bonito.)