Luana Santahelena

Manual Ilustrado para Viver (mais ou menos)

A vida, disseram,

era como aquele estojo novinho da primeira série:

cheio de lápis apontados,

nenhuma ponta quebrada,

e uma fé inabalável de que a cor lilás era a mais madura de todas.

 

No começo, desenhei arco-íris,

com nuvens em forma de gato e casinhas flutuantes —

porque chão era coisa de adulto sério.

E fui feliz, por umas três semanas.

 

Mas aí...

veio o tempo.

E o tempo, veja bem, tem o péssimo hábito

de se achar artista.

Ele derramou café na minha aquarela,

colou conta de luz no meu caderno,

e fez dos meus traços certeiros

uma bagunça digna de museu moderno.

 

— Isso é arte ou acidente?

perguntou a senhora da padaria,

vendo meu rosto em segunda-feira.

Sorri com a boca torta e respondi:

\"Depende da moldura.\"

 

Aprendi a rir dos borrões,

a fazer nuvem com mancha de sorvete,

e a transformar lágrima em ponto de exclamação.

(Confesso que nem sempre funciona,

mas às vezes é tudo que salva a página.)

 

Hoje, ando com um pincel na bolsa

e um tubo de tinta chamado “quase”.

Pinto futuros no guardanapo,

borrifo esperança no espelho,

e quando erro a perspectiva,

dou um nome francês pro desenho e finjo que foi intencional.

 

Sim, meus traços vacilam.

O lilás já acabou há tempos.

Mas descobri que coragem também se compra em papelaria —

só que vem no frasco da reinvenção.

 

E se tudo desandar,

me lembro:

não deixe o pincel cair.

(E aproveita e compra mais tinta,

que viver dá trabalho…

mas, com cor, sempre fica mais bonito.)