Contrato de Aluguel com Assinatura de Lambida

Luana Santahelena

Meu cachorro acha que é dono da casa.

E talvez seja.

Quem mais circula com tanta autoridade,

latindo decretos nas janelas,

roncando leis sobre o sofá?

 

Enquanto eu —

inquilina de mim mesma —

troco as cortinas e os dilemas,

ele já decidiu:

o tapete da sala é território neutro,

mas a cama é dele.

 

Ele paga o aluguel com olhares

que têm a profundidade das perguntas

que a filosofia não ousa responder.

(E se o sentido da vida for um passeio de manhã cedo,

com o sol batendo nas orelhas?)

E eu deixo.

Porque o silêncio que ele compartilha comigo

vale mais do que todas as respostas que não tenho.

 

Às vezes, eu tento impor um pouco de lógica:

"Essa almofada é minha!"

Mas ele só me encara,

como quem diz:

— Minha cara, tudo é efêmero.

Menos o cobertor quentinho

e a presença.

 

Meu cachorro acha que é dono da casa.

E eu deixo.

Porque há algo de profundamente justo

nesse sistema canino de governo,

onde se manda com afeto

e se cobra com o rabo abanando.

 

No fundo, talvez ele seja

um filósofo peludo

com um leve halito de biscoito

e uma sabedoria descomplicada:

ocupar o espaço com doçura,

guardar a porta sem medo,

coçar onde coça,

e nunca, nunca recusar colo.

 

Sim, meu cachorro acha que é dono da casa.

E talvez eu seja só a humana que

lava os pratos da existência

enquanto ele me observa,

pensando que, no fundo,

é ele quem me deixa ficar.

  • Autor: Bulaxa Kebrada (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 4 de outubro de 2025 16:11
  • Comentário do autor sobre o poema: Observa o ritual do reencontro. Mesmo que você tenha se ausentado por apenas um minuto, o cão te recebe com a cauda vibrando, como se tivesse voltado de uma longa guerra. Aprende: a gratidão é a celebração do pequeno. Não guarda a felicidade para grandes eventos. Agradece o alimento, o abrigo, o breve passeio, a companhia. Encontra o êxtase até no retorno à casa.
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 4
  • Usuários favoritos deste poema: Luana Santahelena, Sezar Kosta


Para poder comentar e avaliar este poema, deve estar registrado. Registrar aqui ou se você já está registrado, login aqui.