Meu cachorro acha que é dono da casa.
E talvez seja.
Quem mais circula com tanta autoridade,
latindo decretos nas janelas,
roncando leis sobre o sofá?
Enquanto eu —
inquilina de mim mesma —
troco as cortinas e os dilemas,
ele já decidiu:
o tapete da sala é território neutro,
mas a cama é dele.
Ele paga o aluguel com olhares
que têm a profundidade das perguntas
que a filosofia não ousa responder.
(E se o sentido da vida for um passeio de manhã cedo,
com o sol batendo nas orelhas?)
E eu deixo.
Porque o silêncio que ele compartilha comigo
vale mais do que todas as respostas que não tenho.
Às vezes, eu tento impor um pouco de lógica:
\"Essa almofada é minha!\"
Mas ele só me encara,
como quem diz:
— Minha cara, tudo é efêmero.
Menos o cobertor quentinho
e a presença.
Meu cachorro acha que é dono da casa.
E eu deixo.
Porque há algo de profundamente justo
nesse sistema canino de governo,
onde se manda com afeto
e se cobra com o rabo abanando.
No fundo, talvez ele seja
um filósofo peludo
com um leve halito de biscoito
e uma sabedoria descomplicada:
ocupar o espaço com doçura,
guardar a porta sem medo,
coçar onde coça,
e nunca, nunca recusar colo.
Sim, meu cachorro acha que é dono da casa.
E talvez eu seja só a humana que
lava os pratos da existência
enquanto ele me observa,
pensando que, no fundo,
é ele quem me deixa ficar.