Não se nomeia aquele vazio que nos habita.
É uma geografia translucida, um osso roído pela interrogação.
E o peito é uma caverna onde um deus menor se debate com suas próprias algemas.
Não busco respostas nos astros.
Busco no tremor da mão que quase toca a outra,
no instante antes do golpe, ou do perdão,
onde o medo do rosto alheio reflete o próprio abandono.
É a capacidade de suportar o não saber,
de ficar em pé diante do limiar, recusando aquele ídolo da certeza.
A arte, então, não é beleza, é o suor do combate,
o grito da consciência contra os barrotes do próprio crânio.
Este não é o Éden, é o deserto que vem depois.
É o fruto mastigado, o verbo engasgado na garganta.
Confrontar o divino foi só o primeiro espasmo
de uma agonia maior, confrontar o humano que resta.
E se a perfeição for isto?
Não um estado, mas o ato de cair para frente.
A hipótese impossível que nos arrasta,
ou o vórtice que, ao nos devorar, nos completa.
Ao encarar o abismo, ele nos cospe de volta
Não mais inteiros, mas rachados, inundados de uma luz doentia e vasta.
O jardim era a prisão. A expulsão, a graça.
O desconhecido não é o lugar.
É o que nos faz.
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Autor:
Anna Gonçalves (Pseudónimo (
Offline) - Publicado: 1 de outubro de 2025 16:07
- Categoria: Reflexão
- Visualizações: 14
- Usuários favoritos deste poema: Versos Discretos, JT.

Offline)
Comentários2
O poema explora o vazio inerente à existência ("vazio que nos habita") e a angústia da interrogação. O eu lírico rejeita as respostas externas (astros, ídolos) em favor da experiência crua do não saber e do conflito interno ("medo do rosto alheio reflete o próprio abandono").
A arte não é vista como beleza, mas como o "suor do combate" da consciência. A expulsão do Éden e o deserto são celebrados como a verdadeira graça e libertação. A perfeição não é um estado, mas o ato de cair e o enfrentamento do humano que resta.
Parabéns pela força, pela honestidade e pela riqueza de pensamento da sua escrita. É um poema que merece ser lido, ruminado e sentido.
Exatamente isso! Eu fico muito feliz quando consegue enxergar tudo aquilo que eu quis propôr. Gratidão!
Nossa, se e tudo isso que o mestre e venerável poeta diz, tenho que concordar.
Que na imaginação de minha parca sensibilidade o poema e muito mais que pensei.
E melhor me amoitar, como um cego que não quer enxergar.
O que diz essa bravíssima reflexão.
Ficar bem Anna.
JT
Por favor! A interpretação é essencial e gosto de saber o que as pessoas entende e interpreta. Deixe aqui a sua interpretação, lerei com maior prazer!
Eu não entendi nada.
Por isso deixo aqui, sem nem saber se a autora ira ler, o tico que escorreu do véu, que tapava meus olhos.
O vazio que nos habita.
Muita vezes apertado, por não caber duas almas em Ascenção.
A angustia da interrogação.
No havido desejo do se não escutar, decifra me ou te aniquilarei.
Se abandonar, por medo do não saber.
A alegria, a felicidade, só se une a inteligência, através de esforço.
Pois se a perfeição, não for linear e um ciclo, onde quem dita e o tempo.
Usando o raciocínio do Venerável mestre, Versos discreto.
Li, senti e ruminei.
Erguendo me das sinsas, que não conseguiram me consumir.
Uma expressão de quinto grau, não pode ser resolvida por todos.
Dai, queira ou não.
Seleciona se, o terreno onde se quer pisar.
E o que entendi do todo.
Com carinho.
JT
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Magina. Eu li o que escreveu e obrigada por compartilhar sua leitura!
Referente ao não entendimento... Mas espero dizer em uma linguagem não tanto bagunçada e de fácil entendimento. Bom, aqui eu quis explorar a ideia de que a perfeição não é um estado, mas um processo de queda e ascensão. O vazio que nos habita é um espaço de interrogação, de busca e de descoberta também. A arte é o esforço de expressar esse vazio, de dar forma ao que não pode ser dito. Essa poesia é um convite a abandonar a certeza e a abraçar o desconhecido. É um ato de coragem, de vulnerabilidade e de abertura ao mistério. E é nesse espaço de não saber que encontramos a verdadeira liberdade e a criatividade. A ideia de que a perfeição é um ciclo, e não um estado, é algo que me ressoa profundamente.
Obrigada novamente por compartilhar sua leitura e reflexão! É um prazer saber que a poesia pode tocar as pessoas de qualquer forma...
Att,
Ana.
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