Não se nomeia aquele vazio que nos habita.
É uma geografia translucida, um osso roído pela interrogação.
E o peito é uma caverna onde um deus menor se debate com suas próprias algemas.
Não busco respostas nos astros.
Busco no tremor da mão que quase toca a outra,
no instante antes do golpe, ou do perdão,
onde o medo do rosto alheio reflete o próprio abandono.
É a capacidade de suportar o não saber,
de ficar em pé diante do limiar, recusando aquele ídolo da certeza.
A arte, então, não é beleza, é o suor do combate,
o grito da consciência contra os barrotes do próprio crânio.
Este não é o Éden, é o deserto que vem depois.
É o fruto mastigado, o verbo engasgado na garganta.
Confrontar o divino foi só o primeiro espasmo
de uma agonia maior, confrontar o humano que resta.
E se a perfeição for isto?
Não um estado, mas o ato de cair para frente.
A hipótese impossível que nos arrasta,
ou o vórtice que, ao nos devorar, nos completa.
Ao encarar o abismo, ele nos cospe de volta
Não mais inteiros, mas rachados, inundados de uma luz doentia e vasta.
O jardim era a prisão. A expulsão, a graça.
O desconhecido não é o lugar.
É o verbo que nos faz.
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Autor:
Anna Gonçalves (Pseudónimo (
Online)
- Publicado: 1 de outubro de 2025 16:07
- Categoria: Reflexão
- Visualizações: 8
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Comentários1
O poema explora o vazio inerente à existência ("vazio que nos habita") e a angústia da interrogação. O eu lírico rejeita as respostas externas (astros, ídolos) em favor da experiência crua do não saber e do conflito interno ("medo do rosto alheio reflete o próprio abandono").
A arte não é vista como beleza, mas como o "suor do combate" da consciência. A expulsão do Éden e o deserto são celebrados como a verdadeira graça e libertação. A perfeição não é um estado, mas o ato de cair e o enfrentamento do humano que resta.
Parabéns pela força, pela honestidade e pela riqueza de pensamento da sua escrita. É um poema que merece ser lido, ruminado e sentido.
Exatamente isso! Eu fico muito feliz quando consegue enxergar tudo aquilo que eu quis propôr. Gratidão!
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