Anna Gonçalves

A graça da Queda

Não se nomeia aquele vazio que nos habita.
É uma geografia translucida, um osso roído pela interrogação.
E o peito é uma caverna onde um deus menor se debate com suas próprias algemas.

Não busco respostas nos astros.
Busco no tremor da mão que quase toca a outra,
no instante antes do golpe, ou do perdão,
onde o medo do rosto alheio reflete o próprio abandono.

É a capacidade de suportar o não saber,
de ficar em pé diante do limiar, recusando aquele ídolo da certeza.
A arte, então, não é beleza, é o suor do combate,
o grito da consciência contra os barrotes do próprio crânio.

Este não é o Éden, é o deserto que vem depois.
É o fruto mastigado, o verbo engasgado na garganta.
Confrontar o divino foi só o primeiro espasmo
de uma agonia maior, confrontar o humano que resta.

E se a perfeição for isto?
Não um estado, mas o ato de cair para frente.
A hipótese impossível que nos arrasta,
ou o vórtice que, ao nos devorar, nos completa.

Ao encarar o abismo, ele nos cospe de volta 
Não mais inteiros, mas rachados, inundados de uma luz doentia e vasta.
O jardim era a prisão. A expulsão, a graça.
O desconhecido não é o lugar.
É o verbo que nos faz.