Não foi preciso palco imenso,
nem refletores a ferir os olhos.
Nosso cenário era a sala em penumbra,
o abajur como sol doméstico,
e o tapete — nosso chão de ensaio.
Não havia script preso à parede,
mas gestos que se escreviam no ar,
com o lápis invisível do afeto.
Nosso enredo nascia das pausas,
onde o silêncio falava mais alto
do que qualquer palavra memorizada.
A chaleira cantando às seis da manhã,
o pão dividido sem medidas,
o “bom dia” dito com os olhos ainda sonolentos —
essas eram nossas primeiras falas.
A toalha esquecida,
o prato sujo,
o riso de repente.
Improvisávamos cenas com a matéria dos dias,
sem maquiagem,
sem plateia.
Às vezes, o conflito vinha —
não em trovões ou gritos,
mas na distância breve entre dois corpos na mesma cama.
Ainda assim, o ato seguinte
trazia reconciliação em forma de toque.
Nosso amor não era grandioso,
mas era inteiro.
Não carregava a ambição dos aplausos,
mas o compromisso silencioso
de retornar à cena,
mesmo quando a vontade era sair de cena.
Era um espetáculo
onde o intervalo era abraço,
e a vaia — um olhar ferido
que logo encontrava perdão no próximo ato.
Havia beleza nas imperfeições do roteiro,
nos tropeços das falas,
na falha técnica da luz —
porque a verdade nos bastava mais
do que a perfeição encenada.
E se tudo desmoronasse um dia,
se o cenário fosse desmontado,
e as cortinas caíssem com o peso do tempo —
ainda assim, o que tivemos
seria mais real
do que muitos teatros lotados.
Porque o amor,
quando vivido sem ensaio,
deixa vestígios nas tábuas da memória.
E mesmo sem bilhetes vendidos,
sem crítica nos jornais,
sem prêmio na estante —
fomos, um para o outro,
a peça mais autêntica.
E a cada novo ato da vida,
ainda ouvimos,
baixinho,
o eco de dois corações sussurrando nos bastidores:
"Cena um. De novo. Juntos."
Homenagem ao Dia Nacional do Teatro que é comemorado no dia 19 de setembro.
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Autor:
Sezar Kosta (
Offline)
- Publicado: 19 de setembro de 2025 06:24
- Comentário do autor sobre o poema: Não precisamos de palcos para encenar nossa história. Nosso vasto mundo se resume à quietude de um abraço, onde o eco dos nossos risos preenche cada espaço. A cada amanhecer, o sol nos convida para a próxima cena. E no palco da vida, a única regra é a sinceridade. A gente se encontra e se refaz. É um espetáculo eterno.
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 10
- Usuários favoritos deste poema: Sezar Kosta, Luana Santahelena
Comentários1
Que linda homenagem ao dia do teatro. Realmente vivemos todos os dias uma história e somos artistas da vida real. Parabéns poeta. Bom dia.
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