Sezar Kosta

ENTRE CENAS E SILÊNCIOS DO AMOR

Não foi preciso palco imenso,

nem refletores a ferir os olhos.

Nosso cenário era a sala em penumbra,

o abajur como sol doméstico,

e o tapete — nosso chão de ensaio.

 

Não havia script preso à parede,

mas gestos que se escreviam no ar,

com o lápis invisível do afeto.

Nosso enredo nascia das pausas,

onde o silêncio falava mais alto

do que qualquer palavra memorizada.

 

A chaleira cantando às seis da manhã,

o pão dividido sem medidas,

o “bom dia” dito com os olhos ainda sonolentos —

essas eram nossas primeiras falas.

 

A toalha esquecida,

o prato sujo,

o riso de repente.

Improvisávamos cenas com a matéria dos dias,

sem maquiagem,

sem plateia.

 

Às vezes, o conflito vinha —

não em trovões ou gritos,

mas na distância breve entre dois corpos na mesma cama.

Ainda assim, o ato seguinte

trazia reconciliação em forma de toque.

 

Nosso amor não era grandioso,

mas era inteiro.

Não carregava a ambição dos aplausos,

mas o compromisso silencioso

de retornar à cena,

mesmo quando a vontade era sair de cena.

 

Era um espetáculo

onde o intervalo era abraço,

e a vaia — um olhar ferido

que logo encontrava perdão no próximo ato.

 

Havia beleza nas imperfeições do roteiro,

nos tropeços das falas,

na falha técnica da luz —

porque a verdade nos bastava mais

do que a perfeição encenada.

 

E se tudo desmoronasse um dia,

se o cenário fosse desmontado,

e as cortinas caíssem com o peso do tempo —

ainda assim, o que tivemos

seria mais real

do que muitos teatros lotados.

 

Porque o amor,

quando vivido sem ensaio,

deixa vestígios nas tábuas da memória.

 

E mesmo sem bilhetes vendidos,

sem crítica nos jornais,

sem prêmio na estante —

fomos, um para o outro,

a peça mais autêntica.

 

E a cada novo ato da vida,

ainda ouvimos,

baixinho,

o eco de dois corações sussurrando nos bastidores:

\"Cena um. De novo. Juntos.\"

 

 

Homenagem ao Dia Nacional do Teatro que é comemorado no dia 19 de setembro.