O prato

O prato

Um homem me entra a sala.

Não sei se vejo ele ou se vejo o recorte da luz atrás da porta formando sua silhueta escura.

No meio da sala, estou eu imóvel, sentada, cercada de cacos; vasos, copos, louças, jarros, perfumes. 

Tudo estilhaçado. 

O chão tem um brilho de poeira de vidro.

O ar tem cheiro de porcelana quebrada.

Mas há um prato.

Um único prato.

Branco, vazio, razo.

Ele não quebra.

Jogado no chão, intacto.

Atirado na parede, inteiro. 

Pela janela.Pisado. Mordido. Olhado.

Eu gritei com o prato.

Ele não quebra.

– Por que não quebra? – pergunto.

– Porque é de verdade – responde a silhueta do homem.

Ah… o fim do mundo seria perceber que jamais quebraria aquele prato.

Que toda a louça da casa, fria, fina, estilhaça me fez uma quebradora de pratos, mas este não.

E se ele nunca quebrar, o que será de mim?

Que não poderei mais ser aquela que quebra os pratos?

Que me resta fazer com ele?

Não tenho nele o que de comer.

Não tenho nele oque lavar.

Em incredulidadeeu clamo: Veja! Como é barato! Não há ouro, prata, nem porcelana. É frágil o prato. É barato.

Por que haveria ele de não quebrar?

Ele me olha, vejo seus olhos desolados.

- Esse é presente. Não pode quebrar.

E percebo...

Que algo sempre se mantêm...

Se quebrasse aquele prato, esqueceria como são os pratos!

Como eram as poecelas antes de cacos.

Reduzida ao fragmento, eu perderia a memória doque foi.

Do porque quebrei toda a louça da casa.

Então tenho o que de comer no prato.

Mantenho me do calor da memória. 

Da teimosia do prato de existir.

Tão límpido é o prato que, ao vê-lo vazio, vejo-me inteira.

Não mais em pedaços.

Dentro dele, o que resiste se mantêm em mim.

Dentro dele, a poesia permanece.