Era fim de tarde quando a chuva,
daquelas que não pedem licença,
começou a cair — fina, insistente,
com cheiro de terra e lembrança.
As nuvens, pesadas, davam ao céu
um tom de promessa mal cumprida.
Nós dois, parados sob a marquise
de um café qualquer no centro,
olhávamos os pingos sem pressa,
como quem espera o tempo passar
e ao mesmo tempo, algo mudar.
Ela mexia no cabelo úmido,
num gesto que conheci antes de conhecer —
como quem tenta arrumar por fora
o que desmorona por dentro.
Eu, sem saber o que dizer,
só ofereci meu casaco
e um silêncio cúmplice.
Não era nosso primeiro desencontro.
Houve outros:
a louça deixada,
o filme pausado no meio,
os desencontros de intenções
em noites mal dormidas.
A soma dos erros, os tropeços —
uma matemática exata demais
pro que a gente sentia.
Naquele momento,
não nos abraçamos.
Só dividimos o abrigo
e o cheiro de café quente
que vinha de dentro,
misturado ao frio de agosto
e à saudade do que éramos
sem saber ser.
Ali, entendi:
não era sobre resolver tudo,
mas sobre permanecer
mesmo quando nada se encaixava.
O amor não nos acerta porque é perfeito —
ele nos acerta porque insiste.
Porque apesar das falhas,
dos dias errados,
das palavras que não dissemos,
ficamos.
E talvez isso seja amar:
não fechar a conta.
Mas continuar pagando,
com os bolsos cheios de tentativa.
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Autor:
Sezar Kosta (
Offline)
- Publicado: 18 de agosto de 2025 10:19
- Comentário do autor sobre o poema: Buscamos a fórmula exata do amor em fórmulas que nunca se encaixam, como um quebra-cabeça com peças de vidro. O cálculo, por mais preciso que seja, sempre nos trai, pois acreditamos que o amor é a simples soma de afagos e compreensões. E a conta não bate. Não sabíamos que o verdadeiro amor não se revela no verão dos abraços, mas na superação dos invernos de incompreensões. Não é a soma do que é fácil, mas a aceitação e o abraço do que é difícil. Foi no emaranhado das diferenças que descobrimos a costura que une duas almas. Porque antes, no jardim florido do carinho, pensávamos que o amor era um simples gesto, uma semente plantada em terra fértil. Até que a tempestade veio e nos mostrou que AMAR SÓ SE APRENDE AMANDO, e que a mais bela flor desabrocha no solo das lutas compartilhadas. O amor não é o mapa, é o caminhar. Não é a teoria, é a prática. É a arte de construir a ponte sobre o abismo.
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 12
- Usuários favoritos deste poema: Sezar Kosta, elfrans silva, Poeta por acaso, Luana Santahelena
Comentários2
Muito lindo seu poema e o comentário sobre o poema é de tirar o chapéu. Continue nos presenteando com poemas lindos assim. Parabéns poeta. Boa tarde.
UAU! Que encantador! Seu poema mostra que o amor não é perfeição, mas a coragem de permanecer mesmo nos desencontros. Amar é insistir, mesmo quando tudo parece não se encaixar.
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