Era fim de tarde quando a chuva,
daquelas que não pedem licença,
começou a cair — fina, insistente,
com cheiro de terra e lembrança.
As nuvens, pesadas, davam ao céu
um tom de promessa mal cumprida.
Nós dois, parados sob a marquise
de um café qualquer no centro,
olhávamos os pingos sem pressa,
como quem espera o tempo passar
e ao mesmo tempo, algo mudar.
Ela mexia no cabelo úmido,
num gesto que conheci antes de conhecer —
como quem tenta arrumar por fora
o que desmorona por dentro.
Eu, sem saber o que dizer,
só ofereci meu casaco
e um silêncio cúmplice.
Não era nosso primeiro desencontro.
Houve outros:
a louça deixada,
o filme pausado no meio,
os desencontros de intenções
em noites mal dormidas.
A soma dos erros, os tropeços —
uma matemática exata demais
pro que a gente sentia.
Naquele momento,
não nos abraçamos.
Só dividimos o abrigo
e o cheiro de café quente
que vinha de dentro,
misturado ao frio de agosto
e à saudade do que éramos
sem saber ser.
Ali, entendi:
não era sobre resolver tudo,
mas sobre permanecer
mesmo quando nada se encaixava.
O amor não nos acerta porque é perfeito —
ele nos acerta porque insiste.
Porque apesar das falhas,
dos dias errados,
das palavras que não dissemos,
ficamos.
E talvez isso seja amar:
não fechar a conta.
Mas continuar pagando,
com os bolsos cheios de tentativa.