Ressaca inexistente de uma afeição insignificante

Anna Gonçalves

Ela esperava o peso,  

 

daquela ressaca moral,

 

aquela areia movediça da culpa,  

 

o lento afundar do peito.  

 

Mas nada veio.  

 

 

 

 

Cada gesto foi completo,  

 

Corte anatômico limpo,  

 

sem hesitação na lâmina.  

 

E depois?  

 

Só silêncio.  

 

 

 

 

Pensei em desfecho,  

 

em palavras redondas  

 

que dessem sentido ao já sentido.  

 

Mas não.  

 

O ato foi o sentido.  

 

 

 

 

E o murros em ponta de faca,

 

ferradura enferrujada,  

 

história previsível.  

 

Melhor virar a página  

 

com os dedos intactos e limpos.  

 

 

 

 

O recomeço não é um mito,

 

é o instante em que a faca,  

 

antes cravada no ar,  

 

repousa sobre a mesa  

 

e você simplesmente 

 

segue em frente...

 

Ela por sua vez, não sentiria o peso do insignificante como um inseto morto na soleira da porta, algo que se pisa sem querer, sem remorso, mas que deixa uma mancha.

 

E assim seguiam: ele com seu silêncio cheio de buracos e ideias,

 

ela com suas palavras não ditas e que já não importa, sem se sentir afogada na garganta.

 

Não havia tragédia, não havia redenção, nem a asfixia do quase.

 

E no fim, quando se despediram sem rancor, sem alívio, perceberam que o pior não era o fim, e a certeza de nunca ter começado.

  • Autor: Anna Gonçalves (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 17 de agosto de 2025 17:02
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 9
  • Usuários favoritos deste poema: Edla Marinho
Comentários +

Comentários2

  • Scaut Zin

    bom poema, parabens

  • Edla Marinho

    Boa noite!
    Realmente, tem sentimentos que, aparentemente, são pra sempre e no final percebe- se que sequer existiram.
    Bonito o teu poema.
    Meus parabéns, meu abraço!



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