Anna Gonçalves

Ressaca inexistente de uma afeição insignificante

De longe esperava o peso,  

daquela ressaca moral,

aquela areia movediça da culpa,  

o lento afundar do peito.  

 

Mas no fim... Nada veio  .

Cada gesto foi completo,  

cada segundo desejado.

Corte anatômico limpo,  

sem hesitação na lâmina.  

 

E depois?  Em...

Só silêncio.  

Pensou em desfecho,  

em palavras redondas   

[Como aquelas em filmes e novelas]

que dessem sentido ao já sentido.  

 

Mas não.  

O ato já foi o sentido.  

 

E o murros em ponta de faca,

ferradura enferrujada,  

história previsível.  

Melhor virar a página  

com os dedos intactos e limpos.  

 

O recomeço não é um mito,

é o instante em que a faca,  

antes cravada no ar,  

repousa sobre a mesa  

e você simplesmente 

segue em frente...

 

Por sua vez, não sentiria o peso do insignificante como um inseto morto na soleira da porta, algo que se pisa sem querer, sem remorso, mas que deixa uma mancha.

 

E assim seguir... Com seu silêncio cheio de buracos e ideias,

Com suas palavras não ditas e que já não importa, sem se sentir afogada na garganta.

 

Não havia tragédia, não havia redenção, nem a asfixia do quase.

 

E no fim, quando se despediram sem rancor, sem alívio, perceberam que o pior não era o fim, e sim, a certeza de nunca ter começado e acontecido.